THEODOR W. ADORNO
Sentis a poesia lírica como um elemento de oposição
à sociedade, de natureza totalmente individual. A vossa resposta emocional
insiste que assim permaneça, que a expressão lírica, em fuga das coisas
materiais, evoque a imagem de uma vida liberta da coacção da prática dominante,
do utilitarismo, da pressão obstinada do instinto de conservação. Contudo, esta
exigência, em relação à poesia lírica, a reivindicação da palavra inviolada, é,
em si mesma, de natureza social. Ela contém em si o protesto contra uma situação
social que cada individuo vive como hostil e alheia, fria e opressora, e é pela
negativa que essa situação se inscreve na composição poética: quanto mais
pesada é a sua carga, maior a intransigência com que o poema lhe resiste, não
se vergando a nada que lhe seja heteronómico e constituindo-se inteiramente de
acordo com a sua própria norma. O seu distanciamento da pura existência converte-se
na medida do que esta tem de falso e nocivo. Em protesto contra essa realidade,
o poema exprime o sonho de um mundo onde a vida fosse diferente. A idiossincrasia
do espírito livre contra a violência opressiva das coisas é uma forma de
reacção contra a reificação do mundo, o domínio das mercadorias sobre as
pessoas que se difundiu desde o início da Modernidade e que se desenvolveu a
partir da Revolução Industrial, a ponto de se converter na força preponderante
da existência. O rilkeano “culto dos objectos” insere-se igualmente no círculo
mágico dessa idiossincrasia, enquanto tentativa de atrair e dissolver objectos
estranhos no campo da expressão pura e subjectiva, conferindo credenciais
metafísicas à sua estranheza; e a debilidade estética deste culto dos objectos,
este gesto arremedando o oculto, mescla de religião e artes aplicadas, deixa
simultaneamente entrever o peso efectivo da reificação que já não se deixa
dourar com uma qualquer aura lírica, nem abranger pelo sentido.
Dizer que esta ideia, que para nós se converteu
num dado imediato, praticamente numa segunda natureza, é de teor integralmente
moderno, não é senão exprimir de outro modo a essência social da poesia lírica.
(excerto da conferência Poesia lírica e sociedade,
proferida em 1957; tradução de Maria Antónia Amarante, Angelus Novus, 2003)