JOSÉ TOLENTINO MENDONÇA
SEGREDOS
Segredos de uma espécie tão rara
na altura das grandes migrações
a vida pobre os bosques
o vento arrasa nuvens pelo céu
sem outro saber
O tempo era maior
do que se dizia
e ela dispunha-se a contar tudo
do mesmo modo delicado
para Maria de Lourdes Pintasilgo
(de De Igual para Igual, Assírio & Alvim, 2001)
10.7.04
9.7.04
EGITO GONÇALVES
Beijo não é palavra de poema. É o raiar da madrugada, o anúncio de um dia longo, o final da tensão que ameaçava partir a corda: podemos escolher imagens, comparações, fazer literatura. Será sempre outra coisa, meu amor, o beijo do poema. É como o branco que dizem ser a fusão de todas as cores. Não se retira um beijo do poema, este é apenas a fotografia de alguns pormenores. Um beijo é o corpo que antes não existia e ali nasce, uma nova estrutura óssea que suporta um pulsar único, um aposento onde o esplendor apaga todas as lágrimas que conseguiram viver até chegar ali.
(de O Mapa do Tesouro, editora Campo das Letras, 1998 - O Aprendiz de Feiticeiro)
Beijo não é palavra de poema. É o raiar da madrugada, o anúncio de um dia longo, o final da tensão que ameaçava partir a corda: podemos escolher imagens, comparações, fazer literatura. Será sempre outra coisa, meu amor, o beijo do poema. É como o branco que dizem ser a fusão de todas as cores. Não se retira um beijo do poema, este é apenas a fotografia de alguns pormenores. Um beijo é o corpo que antes não existia e ali nasce, uma nova estrutura óssea que suporta um pulsar único, um aposento onde o esplendor apaga todas as lágrimas que conseguiram viver até chegar ali.
(de O Mapa do Tesouro, editora Campo das Letras, 1998 - O Aprendiz de Feiticeiro)
[em face dos últimos acontecimentos]
MÁRIO CESARINY
Que afinal o que importa é não ter medo
de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente:
Gerente! Este leite está azedo!
(mais uma Nobilíssima Visão)
MÁRIO CESARINY
Que afinal o que importa é não ter medo
de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente:
Gerente! Este leite está azedo!
(mais uma Nobilíssima Visão)
7.7.04
Dom HÉLDER CÂMARA
Que toda palavra
nasça
da ação e da meditação.
Sem ação
ou tendência à ação
ela será apenas teoria
que se juntará
ao excesso de teoria
que está levando os jovens
ao desespero.
Se ela é apenas ação
sem meditação
ela acabará no ativismo
sem fundamento,
sem conteúdo,
sem força...
Presta honras ao Verbo eterno
servindo-te da palavra
de forma
a recriar o mundo.
(de O Deserto é Fértil, editora Civilização Brasileira S. A., 1976)
Que toda palavra
nasça
da ação e da meditação.
Sem ação
ou tendência à ação
ela será apenas teoria
que se juntará
ao excesso de teoria
que está levando os jovens
ao desespero.
Se ela é apenas ação
sem meditação
ela acabará no ativismo
sem fundamento,
sem conteúdo,
sem força...
Presta honras ao Verbo eterno
servindo-te da palavra
de forma
a recriar o mundo.
(de O Deserto é Fértil, editora Civilização Brasileira S. A., 1976)
Hoje é dia da Terra da Alegria.
Lá, tento fazer uma homenagem a Sophia de Mello Breyner. Reconheço que o texto não está grande coisa, ainda para mais pelo que pretende...
Sei que não é justificação que convença, mas é muito difícil expressar convenientemente o impacto que a grandeza da obra de Sophia tem na minha vida.
Talvez as palavras que se seguem digam melhor.
Lá, tento fazer uma homenagem a Sophia de Mello Breyner. Reconheço que o texto não está grande coisa, ainda para mais pelo que pretende...
Sei que não é justificação que convença, mas é muito difícil expressar convenientemente o impacto que a grandeza da obra de Sophia tem na minha vida.
Talvez as palavras que se seguem digam melhor.
5.7.04
perguntamos um ao outro quem somos
deixamos o ar cair sobre o que desejamos
deixamos o ar cair sobre o que desejamos
4.7.04
A terra emergirá pura do mar
De lágrimas sem fim onde me invento.
De lágrimas sem fim onde me invento.
SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN
Depois da cinza morta destes dias,
Quando o vazio branco destas noites
Se gastar, quando a névoa deste instante
Sem forma, sem imagem, sem caminhos,
Se dissolver, cumprindo o seu tormento,
A terra emergirá pura do mar
De lágrimas sem fim onde me invento.
(de Coral, 1950)
Depois da cinza morta destes dias,
Quando o vazio branco destas noites
Se gastar, quando a névoa deste instante
Sem forma, sem imagem, sem caminhos,
Se dissolver, cumprindo o seu tormento,
A terra emergirá pura do mar
De lágrimas sem fim onde me invento.
(de Coral, 1950)
O Almocreve das Petas evoca Sophia da maneira informada e rigorosa a que nos tem habituado.
No entanto há que fazer dois reparos: O Bojador, incluído na lista dos livros de poesia, é uma pequena peça de teatro "escrita em 1961, para as filhas qu frequentavam o 3º ano do liceu no Colégio de S. José das Irmãs Dominicanas" e foi, de facto, editado apenas em 2000 pela editorial Caminho e belamente ilustrado por Henrique Cayatte; é omitida uma outra peça de teatro: O Colar, editado também pela Caminho, em 2001.
Já agora: a fotografia incluída na evocação é de Fernando Lemos.
No entanto há que fazer dois reparos: O Bojador, incluído na lista dos livros de poesia, é uma pequena peça de teatro "escrita em 1961, para as filhas qu frequentavam o 3º ano do liceu no Colégio de S. José das Irmãs Dominicanas" e foi, de facto, editado apenas em 2000 pela editorial Caminho e belamente ilustrado por Henrique Cayatte; é omitida uma outra peça de teatro: O Colar, editado também pela Caminho, em 2001.
Já agora: a fotografia incluída na evocação é de Fernando Lemos.
Há coincidências inefáveis: a poesia que enche as ruas de Lisboa no dia em que Sophia vai a sepultar é feita em grande parte por gente vinda da Grécia.
JORGE DE SENA
ODE PARA O FUTURO
Falareis de nós como de um sonho.
Crepúsculo dourado. Frases calmas.
Gestos vagarosos. Música suave.
Pensamento arguto. Subtis sorrisos.
Paisagens deslizando na distância.
Éramos livres. Falávamos, sabíamos,
e amávamos serena e docemente.
Uma angústia delida, melancólica,
sobre ela sonhareis.
E as tempestades, as desordens, gritos,
violência, escárneo, confusão odienta,
primaveras morrendo ignoradas
nas encostas vizinhas, as prisões,
as mortes, o amor vendido,
as lágrimas e as lutas,
o desespero da vida que nos roubam
- apenas uma angústia melancólica,
sobre a qual sonhareis a idade de oiro.
E, em segredo, saudosos, enlevados,
falareis de nós - de nós! - como de um sonho.
(de Pedra Filosofal, 1950)
ODE PARA O FUTURO
Falareis de nós como de um sonho.
Crepúsculo dourado. Frases calmas.
Gestos vagarosos. Música suave.
Pensamento arguto. Subtis sorrisos.
Paisagens deslizando na distância.
Éramos livres. Falávamos, sabíamos,
e amávamos serena e docemente.
Uma angústia delida, melancólica,
sobre ela sonhareis.
E as tempestades, as desordens, gritos,
violência, escárneo, confusão odienta,
primaveras morrendo ignoradas
nas encostas vizinhas, as prisões,
as mortes, o amor vendido,
as lágrimas e as lutas,
o desespero da vida que nos roubam
- apenas uma angústia melancólica,
sobre a qual sonhareis a idade de oiro.
E, em segredo, saudosos, enlevados,
falareis de nós - de nós! - como de um sonho.
(de Pedra Filosofal, 1950)
JOÃO CABRAL DE MELO NETO
ELOGIO DA USINA
E DE SOFIA DE MELO BREINER ANDRESEN
O engenho banguê (o rolo compressor,
mais o monjolo, a moela de galinha,
e muitas moelas e moendas de poetas)
vai unicamente numa direção: na ida.
Êle faz quando na ida, ou ao desfazer
em bagaço e caldo; ele faz o informe;
faz-desfaz na direção de moer a cana,
que aí deixa; e que de mel nos moldes
madura só, faz-se: no cristal que sabe,
o do mascavo, cego (de luz e corte).
2.
Sofia vai de ida e de volta (e a usina);
ela desfaz-faz e faz-refaz mais acima,
e usando apenas (sem turbinas, vácuos)
algarves de sol e mar por serpentinas.
Sofia faz-refaz, e subindo ao cristal,
em cristais (os dela, de luz marinha).
(de Educação pela Pedra, 1962-1965)
ELOGIO DA USINA
E DE SOFIA DE MELO BREINER ANDRESEN
O engenho banguê (o rolo compressor,
mais o monjolo, a moela de galinha,
e muitas moelas e moendas de poetas)
vai unicamente numa direção: na ida.
Êle faz quando na ida, ou ao desfazer
em bagaço e caldo; ele faz o informe;
faz-desfaz na direção de moer a cana,
que aí deixa; e que de mel nos moldes
madura só, faz-se: no cristal que sabe,
o do mascavo, cego (de luz e corte).
2.
Sofia vai de ida e de volta (e a usina);
ela desfaz-faz e faz-refaz mais acima,
e usando apenas (sem turbinas, vácuos)
algarves de sol e mar por serpentinas.
Sofia faz-refaz, e subindo ao cristal,
em cristais (os dela, de luz marinha).
(de Educação pela Pedra, 1962-1965)
FIAMA HASSE PAIS BRANDÃO
NA RUA DAS MÓNICAS
Nos meus vinte anos,
almoçar em casa de Sofia
era ouvir ferver em cachão, frigir
na cozinha, arfar a cafeteira da poesia.
Era ver a ama de Sofia,
e de todos os filhos, de muitos versos,
cuidar de muitas gerações de memórias,
no lar desses versos tão caseiros.
E era beber, ali, na mesa, uma água
que, mais do que a da torneira,
concitou o mar para cada copo.
Era olhar um rosto de coral
(o que exorciza as Fúrias, na cozinha)
um rosto de mar novo, de geografia.
Era escutar as palavras da boca
do vocábulo grego para a sabedoria
o que me confirma o poder dos nomes,
ao serem Verbo, sobre os seres e as coisas.
Era sentar-me, lado a lado,
no espaço irradiante da volúvel lareira,
no Outono apagada, na Primavera acesa,
e com o fogaréu alimentado
por papéis venais de outra política
(que não a da sua humanidade),
que a prudência mandava destruir no fogo.
Era entrar e sair pela porta das Mónicas,
a das mulheres congregadas
sob invocação da mãe de Agostinho,
o que para mim celebrava também
o amor da mãe, da velha ama, da Poesia.
(de Cenas Vivas, Relógio d?Água, 2000)
NA RUA DAS MÓNICAS
Nos meus vinte anos,
almoçar em casa de Sofia
era ouvir ferver em cachão, frigir
na cozinha, arfar a cafeteira da poesia.
Era ver a ama de Sofia,
e de todos os filhos, de muitos versos,
cuidar de muitas gerações de memórias,
no lar desses versos tão caseiros.
E era beber, ali, na mesa, uma água
que, mais do que a da torneira,
concitou o mar para cada copo.
Era olhar um rosto de coral
(o que exorciza as Fúrias, na cozinha)
um rosto de mar novo, de geografia.
Era escutar as palavras da boca
do vocábulo grego para a sabedoria
o que me confirma o poder dos nomes,
ao serem Verbo, sobre os seres e as coisas.
Era sentar-me, lado a lado,
no espaço irradiante da volúvel lareira,
no Outono apagada, na Primavera acesa,
e com o fogaréu alimentado
por papéis venais de outra política
(que não a da sua humanidade),
que a prudência mandava destruir no fogo.
Era entrar e sair pela porta das Mónicas,
a das mulheres congregadas
sob invocação da mãe de Agostinho,
o que para mim celebrava também
o amor da mãe, da velha ama, da Poesia.
(de Cenas Vivas, Relógio d?Água, 2000)
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