[
parece-me que o
Rui Manuel Amaral quer ler este texto...]
JORGE DE SENA
1888 E A POESIAEm 1888 nasceram três grandes poetas, glórias da língua italiana, da língua portuguesa e da língua inglesa: a 8 de Fevereiro, em Alexandria, Egipto, Giuseppe Ungaretti; a 13 de Junho, em Lisboa, Fernando Pessoa; a 26 de Setembro, em St. Louis, Missouri, Estados Unidos, T. S. Eliot. A poesia das suas respectivas línguas e a poesia universal só por equívoco continuaram a ser as mesmas depois da revolução expressiva que cada um deles efectuou. E sem dúvida que Pessoa, se vivo fosse, conheceria este ano uma consagração gloriosa como a que os países anglo-saxónicos estão tributando a T. S. Eliot, e como a que não sei se a Itália terá tributado a quem é hoje o seu maior poeta vivo. Altos espíritos, para nenhum deles a poesia foi um dom gratuito dos deuses, mas uma atenção, uma coragem, um desassombro. Críticos lúcidos, influíram poderosamente no pensamento estético do seu tempo, e com eles, como com outros que os precederam ou seguiram de pouco, sofre um golpe mortal a concepção romântica da poesia como devaneio sentimental. São, em que pese a crítica, poetas da inteligência, da emoção dilucidada, da acuidade expressiva. Não são artistas do verso - que os houve sempre demais, e mesmo entre os românticos -, mas artistas da criação poética, da poesia como conhecimento e apreensão profunda. Homens de expressão exacta, densa oblíqua, ultrapassaram simultâneamente a ambiguidade simbolista, que a todos marcou, e a imprecisão romântica, a que todos fugiram. E, sobretudo, liquidaram o arsenal de convenções temáticas, imagísticas e linguísticas da mediocridade poética, expondo-o no pelourinho da secura irónica ou da severidade ascética da expressão. Pessoa não necessita de ser relembrado em seus versos, pois que, depois de Camões, nenhum poeta português conheceu, como a sua obra está conhecendo, um tão autêntico e tão vasto prestígio. Mas de Eliot e Ungaretti, menos conhecidos entre nós, até por menos difundidas as suas línguas que o espanhol ou o francês, há que lembrá-los por poemas seus. A seguir encontrará o leitor a tradução, que fiz, de dois dos mais célebres poemas e dos mais característicos de uma certa maneira de cada um: O
«Boston Evening Transcript», de T. S. Eliot,
Io Sono uma Creatura, de G. Ungaretti.
O «BOSTON EVENING TRANSCRIPT»de
T. S. EliotOs leitores do Boston Evening Transcript
Curvam-se ao vento como seara madura.
Quando a tarde se apressa um pouco na rua
Despertando apetites de vida em alguns
E a outros trazendo o Boston Evening Transcript,
Eu subo as escadas, toco a campainha,
Voltando-me cansado, como que se voltaria para acenar adeus a Rochefoucauld,
Se a rua fosse tempo e ele no fim da rua,
E digo: - Prima Henriqueta, aqui está o Boston Evening Transcript.
(
Prufrock and Other Observations, 1917)
SOU UMA CRIATURAde
G. UngarettiComo esta pedra
do S. Miguel
assim fria
assim dura
assim enxuta
assim refractária
assim totalmente
desanimada
como esta pedra
é o meu pranto
que não se vê
A morte
desconta-se
vivendo.
(
Allegria di Naufragi, 1919)
(de
O Dogma da Trindade Poética (Rimbaud) e Outros Ensaios, edições Asa, 1994 - originalmente publicado em Gazeta Musical e de todas as artes, Ano IX, 3ª série, nº 91/92 de Outubro/Novembro de 1958)