12.3.11

KAWABATA BÓSHA


Ali nada senão
O torvelinho de um feto:
Este mundo flutuante.


(tradução de José Alberto Oliveira, in Rosa do Mundo - 2001 poemas para o futuro, Assírio & Alvim, 2001)

11.3.11

DANIEL MAIA-PINTO RODRIGUES


ASSIM VOASSEM


Dizemos às vezes
devagar sobre as pedras
enquanto o musgo alastra
rápido pelos troncos

Assim voassem aves
quando por fim março
abrisse suas portas ao vento

Assim às nuvens
árvores erguessem o verde
Grandes ramos sorvendo o sol


(de Conhecedor de Ventos, 1987)

8.3.11

[no aniversário do seu nascimento]

JOSÉ BLANC DE PORTUGAL


Teoria da incomunicação


Incomunicável me levaram de menino
De casa em casa na casa de meus pais
De terra em terra às casas do Destino
Onde entrando não saímos mais.
Incomunicável a letra dos jornais
Notícias que não me falavam
Do que eu tinha de dizer a esses tais
Que tão cedo de mim me apartavam.
Incomunicável sem culpa formada
Mas já réu de ignotas faltas
A vida era-me adiada
Num hospital onde não dão altas.
Incomunicável à proposta de espera
Nunca a pude igualar a sorte
Esta é agora, e os logos a passar
Eram-me o primeiro ver da morte.
Incomunicável o mudar instante
Incomunicável a transformação
Incomunicável perto e distante
Incomunicável vida e coração
Incomunicável o chorar ou rir
Porque comunicar, eu o sabia,
Não é o mesmo que reproduzir.

II

Incomunicável a esperança que em mim puseram
Os que me quiseram como eu não sou nem era.
Incomunicável o meu querer que eles pudessem
Ver o que quisessem no que eu ia, sendo.
Incomunicável o eu querer agradecer
A única coisa que eu sei fazer:
A injustiça por excesso que posso devolver
Descontadas as custas do processo
Mesmo sem o querer.
Incomunicável o meu amor por tudo
Como podem sequer pensar que ele existe?
Eis-me, cristal impuro e mudo,
Incomunicável, inutilmente triste.

III

Incomunicável... Como? E se o não fosse:
Para quê falar comigo ou com alguém
Se a resposta é sempre a demonstrar
Que me falta toda e qualquer razão
Seja o que pretendo mal ou bem?
Fale de fogo, água, terra ou mar,
Todos me dizem que o meu sim é não,
Todos me falam em pedir sem dar,
Todos propõem sem nada aceitar,
Todos pretendem a si igualar
O que por ser alheio a quem nos escuta
Nem sequer se pode misturar...?
Porquê falar?
Para quê esta aparente luta
Em que o desafio é sempre do vencido
E a vitória do protector
Que julga bem merecido
Tudo que lhe diz seu interlocutor
E nunca sente como própria dor
O que por si não pode ser sentido
E dele faz o justo vencedor
Que nem sequer tenta pesar
Quanto mais comprar o oferecido...?
Para quê falar?
Para quê, ainda, confessar a este papel
O que não é entendido por ninguém?
Para quê, se todo o mal ou bem
É de um só,
De alguém que nada de amável
Tem para ceder do que sentiu
E nem sequer pediu por estar no mundo e vê-lo,
Mas
____sempre
__________inadiàvelmente
______________________incomunicável.


(in Colóquio Letras, número 9 / Setembro de 1972)

7.3.11

CEES NOOTEBOOM


[...] O professor de Neerlandês, bom, se alguém quisesse caricaturar esse tipo humano, podia tomá-lo como modelo. Ensinar aos alunos uma língua que já conheciam desde o útero, perverter a pululação selvagem dessa língua com o matraquear fastidioso de números ordinais, formas duplas de plural, verbos de partículas separáveis, atributos ou locuções preposicionais, ainda se aceita, mas ter o aspecto dum escalope mal passado e falar de poesia, isso é ir longe de mais. E ele não se limitava a falar de poesia, escrevia também poemas. De dois em dois ou de três em três anos saía uma colectânea minúscula das notícias da morna província da sua alma, versos desdentados, comboios de palavras à deriva no branco das páginas. Se acaso viessem a colidir com um só verso de Horácio desintegrar-se-iam sem deixar rasto.


(excerto de A História Seguinte, tradução de Ana Maria Carvalho, Quetzal editores, 1993)

6.3.11

PEDRO TAMEN


17. AINDA ELE:

Não, não sou bom nem sou mau,
apenas estendo as mãos no negro
futuro talvez inexistente
e só a ti encontro,
numa luz súbita e plena
que afinal nada prenuncia.

E sento-me então no fosco adereço
que não sei quem aqui me dedicou
e olho ao longe o nada desta noite
que um dia, sabes, acabará sem mim.


(de Um Teatro às Escuras, publicações Dom Quixote, 2011)