5.3.12


MANUEL DE SEABRA


– Sabes o que fazia eu em França?
– O Sabaté disse-me.
– Não disse nada. O Sabaté não te disse nada.
– Bem, – murmurou Queralt.
– Vivia à custa duma gaja.
– Ah!
– Não te admiras?
– Eu disse «Ah!»
– Nunca viveste à custa de uma gaja?
– Não. Sempre assaltei bancos.
– Não sabes, portanto, fazer outra coisa.
– Não.
– Eu nem isso. Nem assaltar bancos. Só sei beijar a Elisenda. Mas isso foi há muito tempo. Ela agora tem outro para fazer-lhe isso.
– Tens ciúmes?
– Nada. Daqui a uns anos está velha e então já não haverá ninguém que queira beijá-la.
– Oh!
– Que é que quer dizer esse «Oh!»?
– Nada.
– Dantes queria ser escritor, sabes?
– E que escrevias tu?
– Histórias. Escrevia histórias horríveis. Mas encontrava sempre algum sentido nos homens.
– E porque não continuaste?
– Não. Que queres? Um dia descobri que esse sentido que eu encontrava nos homens era falso. Ficavam só as histórias horríveis. Foi então que deixei de escrever.


(excerto de Os Sobreviventes, colecção Imbondeiro, 1964)

4.3.12


MANUEL RESENDE


POR EXEMPLO

Por exemplo: os cheiros não têm nome
– Nem as nossas penas e alegrias.

Como separar o cheiro da alfazema, da urze, do beijo, dos corpos,
Da alfazema, da urze, do beijo, dos corpos?

As palavras cobriram com o seu mar
A maior parte da terra
E lá dentro já só vivem peixes mudos
E plantas meio descoradas,

Mas
Ameaçadoras
Ou aduladoras
Embateram impotentes
Contra as falésias onde
Começa o reino dos cheiros e da emoção.

Como dizer
O cheiro da alfazema, da urze,
Dos beijos ou dos corpos,
Ou disso tudo junto?
Só estando lá.


(de O mundo clamoroso ainda, Angelus Novus editora, 2004)