[faz hoje 49 anos que morreu]
T. S. ELIOT
PRELÚDIOS
I
A tarde de Inverno instala-se
Com o cheiro de bifes nas passagens.
Seis horas.
Os fins queimados de dias fumarentos.
E agora uma chuvinha borrascosa embrulha
Os sujos fragmentos
De folhas aos nossos pés
E jornais vindos de lotes de terrenos vagos.
Os aguaceiros batem
Em gelosias partidas e vasos da chaminé,
E na esquina da rua
Um cavalo de trem, solitário, fumega e bate com as patas no chão
Depois, acendem-se os candeeiros.
II
A manhã toma consciência
De um leve e choco cheiro a cerveja
Que vem da rua juncada de serradura
Com todos os pés que se apressam
Para os estabelecimentos matinais de café.
Entre os outros mascarados
Que o tempo continua
Lembramo-nos de todas as mãos
Que estão a erguer estores sujos
Num milhar de quartos mobilados.
III
Arrojaste o lençol da tua cama
Deitaste-te de costas, e esperaste;
Dormiste, e a noite revelou-te
As milhentas sórdidas imagens
De que a tua alma era formada;
Voltejaram tontas contra o tecto.
E quando o mundo todo regressou
E a luz se infiltrou entre as portadas,
E ouviste os pardais pelas sarjetas.
Tiveste uma visão da tua rua
Que a própria tua rua não conheceria;
Sentada na borda da cama, onde
Tiraste os papelotes do cabelo
Ou pegaste nas plantas amarelas dos teus pés
Com as palmas sujas das mãos ambas.
IV
A sua alma esticada firme nos céus
Que se apagam atrás de um quarteirão
Ou pisada por insistentes pés
Às quatro horas e cinco e seis horas;
E dedos curtos e quadrados enchendo cachimbos
E jornais da tarde, e olhos
Seguros de certas certezas
A consciência de uma rua escurecida
Impaciente de assumir o mundo.
Comovo-me por fantasias que se curvam
À volta destas imagens, e persistem;
A noção de uma coisa infinitamente gentil
E infinitamente sofredora.
Limpa a boca com a mão, e ri;
Os mundos andam à roda como mulheres velhas
A colherem madeira nos lotes vagos.
(in Antologia Poética, estudo prévio, selecção e tradução de José Palla e Carmo, publicações Dom Quixote, 1988 - Poesia Século XX)
T. S. ELIOT
PRELÚDIOS
I
A tarde de Inverno instala-se
Com o cheiro de bifes nas passagens.
Seis horas.
Os fins queimados de dias fumarentos.
E agora uma chuvinha borrascosa embrulha
Os sujos fragmentos
De folhas aos nossos pés
E jornais vindos de lotes de terrenos vagos.
Os aguaceiros batem
Em gelosias partidas e vasos da chaminé,
E na esquina da rua
Um cavalo de trem, solitário, fumega e bate com as patas no chão
Depois, acendem-se os candeeiros.
II
A manhã toma consciência
De um leve e choco cheiro a cerveja
Que vem da rua juncada de serradura
Com todos os pés que se apressam
Para os estabelecimentos matinais de café.
Entre os outros mascarados
Que o tempo continua
Lembramo-nos de todas as mãos
Que estão a erguer estores sujos
Num milhar de quartos mobilados.
III
Arrojaste o lençol da tua cama
Deitaste-te de costas, e esperaste;
Dormiste, e a noite revelou-te
As milhentas sórdidas imagens
De que a tua alma era formada;
Voltejaram tontas contra o tecto.
E quando o mundo todo regressou
E a luz se infiltrou entre as portadas,
E ouviste os pardais pelas sarjetas.
Tiveste uma visão da tua rua
Que a própria tua rua não conheceria;
Sentada na borda da cama, onde
Tiraste os papelotes do cabelo
Ou pegaste nas plantas amarelas dos teus pés
Com as palmas sujas das mãos ambas.
IV
A sua alma esticada firme nos céus
Que se apagam atrás de um quarteirão
Ou pisada por insistentes pés
Às quatro horas e cinco e seis horas;
E dedos curtos e quadrados enchendo cachimbos
E jornais da tarde, e olhos
Seguros de certas certezas
A consciência de uma rua escurecida
Impaciente de assumir o mundo.
Comovo-me por fantasias que se curvam
À volta destas imagens, e persistem;
A noção de uma coisa infinitamente gentil
E infinitamente sofredora.
Limpa a boca com a mão, e ri;
Os mundos andam à roda como mulheres velhas
A colherem madeira nos lotes vagos.
(in Antologia Poética, estudo prévio, selecção e tradução de José Palla e Carmo, publicações Dom Quixote, 1988 - Poesia Século XX)