[poemas com o Papa por cá - IV]
JOSÉ BLANC DE PORTUGAL
DE «AS OBRAS DE MISERICÓRDIA»
DAR BOM CONSELHO
O conselho é tocar, provar,
Aspirar todos os cheiros do inundo,
Ouvir sempre e ver eternamente,
Abrir as cinco portas; por mais só que estejas
O que entra chega bem para mil vidas.
Depois... é tê-las escancaradas
Pois nada foge e, embora
Saia e entre a cada instante tudo,
É só assim que é possível
Ter e não ter pra sempre tudo.
Casar a pobreza e a riqueza
Viver e morrer mil vezes por segundo
Mudar e ser igual no tempo todo
Cada presente ser
Passado e futuro.
Recusar é deixar;
Conceder tirar;
Tirar é pôr num outro lado;
Pôr é mover;
Mover é fixar num móvel;
Fixar seria
Mudar o futuro.
Esperar é caminhar pra ele.
(de O Espaço Prometido, livraria Moraes editores, 1960 - Círculo de Poesia)
14.5.10
13.5.10
[poemas com o Papa por cá - III]
JOSÉ TOLENTINO MENDONÇA
A presença mais pura
Nada do mundo mais próximo
mas aqueles a quem negamos a palavra
o amor, certas enfermidades, a presença mais pura
ouve o que diz a mulher vestida de sol
quando caminha no cimo das árvores
«a que distância da língua comum deixaste
o teu coração?»
A altura desesperada do azul
no teu retrato de adolescente há centenas de anos
a extinção dos lírios no jardim municipal
o mar desta baía em ruínas ou se quiseres
os sacos do supermercado que se expandem nas gavetas
as conversas ainda surpreendentemente escolares
soletradas em família
a fadiga da corrida domingueira pela mata
as senhas da lavandaria com um 'não esquecer' fixado
o terror que temos
de certos encontros de acaso
porque deixamos de saber dos outros
coisas tão elementares
o próprio nome
Ouve o que diz a mulher vestida de sol
quando caminha no cimo das árvores
«a que distância deixaste
o coração?»
(de A Que Distância Deixaste o Coração, 1998)
JOSÉ TOLENTINO MENDONÇA
A presença mais pura
Nada do mundo mais próximo
mas aqueles a quem negamos a palavra
o amor, certas enfermidades, a presença mais pura
ouve o que diz a mulher vestida de sol
quando caminha no cimo das árvores
«a que distância da língua comum deixaste
o teu coração?»
A altura desesperada do azul
no teu retrato de adolescente há centenas de anos
a extinção dos lírios no jardim municipal
o mar desta baía em ruínas ou se quiseres
os sacos do supermercado que se expandem nas gavetas
as conversas ainda surpreendentemente escolares
soletradas em família
a fadiga da corrida domingueira pela mata
as senhas da lavandaria com um 'não esquecer' fixado
o terror que temos
de certos encontros de acaso
porque deixamos de saber dos outros
coisas tão elementares
o próprio nome
Ouve o que diz a mulher vestida de sol
quando caminha no cimo das árvores
«a que distância deixaste
o coração?»
(de A Que Distância Deixaste o Coração, 1998)
12.5.10
[poemas com o Papa por cá - II]
MARIA DE LOURDES BELCHIOR
PALAVRA
Onde as palavras lisas e límpidas
capazes de transportar
esta quotidiana inquietação
ração diária de gozo e dor?
Onde as palavras purificadas
do lastro do uso das nossas falas mortais?
Não mais na linha do horizonte a Palavra?
Enraizadas no terrunho; carregadas de sonoridade
sujas, enfarinhadas, as palavras senha do nosso falar comum
fabricam o pão alimento, suporte do diálogo impossível.
Só palavras genesíacas, lustrais, abissais,
hão-de revelar e decifrar o verdadeiro nome das coisas?
Que linguagem, miragem do ser e do estar
há-de dizer homem, mundo, amor?
Na linha do horizonte impossível?
a Palavra?
Só no fim dos tempos decifrada?
(de Gramática do Mundo, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1985 - Biblioteca de Autores Portugueses)
MARIA DE LOURDES BELCHIOR
PALAVRA
Onde as palavras lisas e límpidas
capazes de transportar
esta quotidiana inquietação
ração diária de gozo e dor?
Onde as palavras purificadas
do lastro do uso das nossas falas mortais?
Não mais na linha do horizonte a Palavra?
Enraizadas no terrunho; carregadas de sonoridade
sujas, enfarinhadas, as palavras senha do nosso falar comum
fabricam o pão alimento, suporte do diálogo impossível.
Só palavras genesíacas, lustrais, abissais,
hão-de revelar e decifrar o verdadeiro nome das coisas?
Que linguagem, miragem do ser e do estar
há-de dizer homem, mundo, amor?
Na linha do horizonte impossível?
a Palavra?
Só no fim dos tempos decifrada?
(de Gramática do Mundo, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1985 - Biblioteca de Autores Portugueses)
11.5.10
[poemas com o Papa por cá - I]
JOSÉ AUGUSTO MOURÃO
das coisas peregrinas
que ousemos o entusiasmo
da luz de cada dia,
a agilidade dos vindimadores
socalco acima
mantém-nos, Deus ao rés da terra
e altos, de inquietos, vigilantes voos
não se esgotem as cisternas
da paciência para a vida,
nem os agapantos azuis
nos encharquem de clandestina morte
dá-nos o paladar das coisas peregrinas,
o lugar do vento que não sabe donde,
o sítio dos comboios nos apeadeiros breves
que no rodopio das horas
a tua mão nos mostre o pino do sol
e o cheiro a mosto e a pão de milho
anuncie a ceia, a mesa da justiça, do bem e da beleza
(de dizer DEUS ao (des)abrigo do Nome, 1991)
JOSÉ AUGUSTO MOURÃO
das coisas peregrinas
que ousemos o entusiasmo
da luz de cada dia,
a agilidade dos vindimadores
socalco acima
mantém-nos, Deus ao rés da terra
e altos, de inquietos, vigilantes voos
não se esgotem as cisternas
da paciência para a vida,
nem os agapantos azuis
nos encharquem de clandestina morte
dá-nos o paladar das coisas peregrinas,
o lugar do vento que não sabe donde,
o sítio dos comboios nos apeadeiros breves
que no rodopio das horas
a tua mão nos mostre o pino do sol
e o cheiro a mosto e a pão de milho
anuncie a ceia, a mesa da justiça, do bem e da beleza
(de dizer DEUS ao (des)abrigo do Nome, 1991)
10.5.10
MANUEL MARÍA
O POEMA
UN poema é un ser vivo que anda,
respira, soña, chora, salouca,
ama, berra, cintila, escurece,
cala, aborrece a mentira,
sente ódio e tenrura, desángrase,
fala de intimidade a intimidade
coas cousas e coa xente, suxere
mundos posíbeis e imposíbeis,
sua, cansa, sofre sede e fame,
adoece, agoniza. E nunca morre.
(in Antoloxía Poética, Espiral Maior, 1993 - original de A luz ressuscitada, 1984)
Salouca = soluça
O POEMA
UN poema é un ser vivo que anda,
respira, soña, chora, salouca,
ama, berra, cintila, escurece,
cala, aborrece a mentira,
sente ódio e tenrura, desángrase,
fala de intimidade a intimidade
coas cousas e coa xente, suxere
mundos posíbeis e imposíbeis,
sua, cansa, sofre sede e fame,
adoece, agoniza. E nunca morre.
(in Antoloxía Poética, Espiral Maior, 1993 - original de A luz ressuscitada, 1984)
Salouca = soluça
9.5.10
LI SHANG-YIN
CHUVA NA PRIMAVERA
Deito-me vestido de branco, a Primavera aproxima-se.
Penso na Cidade das Portas Brancas, onde não posso estar.
Os teus aposentos vermelhos, ocultos pela chuva, acossados pelo frio.
Recordo esse dia distante, em que parti.
As noites são longas, intervalos breves de sono.
Envio-te este presente, um par de brincos de jade -
Contemplo um ganso solitário, entre a vastidão das nuvens.
(de Chuva na Primavera e outros poemas, tradução de José Alberto Oliveira, Assírio & Alvim, 2001 - Gato Maltês)
CHUVA NA PRIMAVERA
Deito-me vestido de branco, a Primavera aproxima-se.
Penso na Cidade das Portas Brancas, onde não posso estar.
Os teus aposentos vermelhos, ocultos pela chuva, acossados pelo frio.
Recordo esse dia distante, em que parti.
As noites são longas, intervalos breves de sono.
Envio-te este presente, um par de brincos de jade -
Contemplo um ganso solitário, entre a vastidão das nuvens.
(de Chuva na Primavera e outros poemas, tradução de José Alberto Oliveira, Assírio & Alvim, 2001 - Gato Maltês)
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