15.1.05

CARLOS ALBERTO MACHADO

MATÉRIA


I
Palavras
para te contar uma ausência
perdidas
palavras na desolação da ilha
palavras presas
e eu nelas.

II
Disseste há palavras forradas de silêncio
mas os homens acreditam nas palavras
com significados ou nos significados das palavras
nas falésias batidas pelo vento e pelo mar no Inverno
descobrimos vestígios de esponjas multicolores
antigos pensamentos
cedendo à força dos nossos desejos.

III
Agora que tenho o lápis na mão
paro para pensar como será a pedra
imóvel perante o desejo branco
abandono por momentos o desvario
olho o teu seio raiado de azul
a boca sôfrega que engole destinos
deixo deslizar à toa o bico do lápis
guio-me por vozes sussurradas longe
falam-me da matéria e das suas formas
a vontade desusada macula os sentidos
o meu tempo está a chegar ao fim
no papel desvendam-se mapas os rios
de sangue da minha mão incendiada.

IV
Desconheço por onde as palavras me levam
talvez pela escuridão dos açougueiros
estas palavras delidas como as carnes
corrompidas nas bancas do Mercado Velho
quero desfeiteá-las uma a uma arrancar-lhes
esperanças sonhadas embebê-las em venenos
sentidos da noite onde a sua matéria se inventa
despedaço entre os dedos uma jaca madura
na garganta o vinho da palma alivia-me
de uma aspereza antiga digo
por onde me levam as palavras
entre carreiros de dejectos
procuro a foz.

V
Datas todos os teus poemas
mas omites a hora e o local
exactos
como nos crimes
os dias as horas os locais
vão-se arrumando a desjeito a tua obra
nunca há-de ser Completa
precisas sempre de imagens novas
para a vida se descompor mais a teu gosto
o próximo passo será o da decomposição
os corpos mergulhados em ácidos novos
eis como a ideia se adapta a preceito
de uma necessária renovação da palavra.

VI
Assinaste o teu nome
em papel sufocante
impressão bem à vista
xix escudos por página
um livro repleto
de palavras amestradas
pra oferecer no Natal
ou isso ou umas peúgas.

(de Ventilador, Elefante Editores, 2000)