GONÇALO M. TAVARES
CANTO II
94
Bloom passeia em Paris e vê coisas que o fazem pensar
noutras coisas.
Se até os tecidos ricos e a seda se reduzem a combinações
apenas mais estéticas dos nossos bem conhecidos
átomos sujos, para quê o espanto diante de Paris?
E até a catedral, a imponente catedral é, afinal de contas,
uma estaca, como toda a arquitectura,
uma estaca religiosa, bem enterrada no sítio certo, respeitada
e exigindo discursos mansos, mas estaca, sempre,
violentamente enterrada em Paris.
95
Toda a arquitectura é violência, portanto,
pensa Bloom.
Ao contrário dos animais rápidos, como o cavalo,
que não magoam a terra, apenas ganham impulso e avançam.
E há ainda as pedras. Falar em pedras preciosas, sim,
e por que não também em planetas preciosos,
ervas daninhas preciosas ou chimpanzés de luxo?
O que brilha mais de noite? Aquilo a que dás atenção
é o que mais brilha.
Sempre foi assim. E Bloom sabe-o bem.
[...]
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Sim, é verdade que o comércio meteu a Natureza
em caixas com um preço. Mas tal não é terrível nem
sequer desagradável. Bem pior são certas crianças
que arrancam uma das patas a um sapo que teve o azar
de servir de objecto aos exercícios ingénuos de seres vivos
com seis anos. Entre ser vendida inteira
por comerciantes careiros ou ser fragmentada por crianças
que não sabem o valor do dinheiro, a Natureza
optará sempre pelo pacífico capitalismo.
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Porque o capitalismo sabe que uma mercadoria
sem uma das patas vale menos:
por isso não arranca patas ou orelhas,
ou cabeças inteiras, à dentada. Mas se valesse mais até arrancavam
uma das patas da Torre Eiffel — exclamou Jean M.
Não te iludas com monumentos nem com cerimónias.
A estética terminou. Ficou o dinheiro.
Os homens são génios do bem para o ouro,
génios do mal para a paisagem.
(de Uma Viagem à Índia, editorial Caminho, 2010)
mas é romano ou romântico?
Há 10 horas