13.5.06

RUY CINATTI

A NOSSA SENHORA


Então, vida e tecla do visível
amparo dos mortais, ei-la, senhora
dos espaços siderais
e mãe na terra.

Cruzada pelas espadas
no coração - fruto sensível
que se mastiga com amor, com nojo -
adormece no sonho.

Gera mitos e lendas.
Conhece devaneios e surpresas:
mãos estendidas, joelhos
na pedra rija.

Vómitos de cera
honram-na em lágrimas
humedecendo faces
ou repentes de alegria.

Ei-la, portanto, senhora
nos espaços siderais
e na terra mãe
desamparada.

Seu olhar magoado
fere um intranquilo
raio de luz.

E entro no templo
onde milhares de mãos compadecidas
acendem círios.

Digo: Maria!
Ouço: Meu filho!

(de Corpo - Alma, editorial Presença, 1994 - colecção forma)

11.5.06

[os argumentos economicistas com que Raul Brandão responde a Francisco José Viegas]

RAUL BRANDÃO

Tive sempre a ideia que quem manda em todo o país é a mulher. Na lavoura, às vezes o bruto bate-lhe, mas é ela que o guia e lhe dá os mais atilados conselhos. E é ela em toda a parte que nos salva, parindo filhos sobre filhos para a emigração, para a desgraça e para a dor. Creio que só assim parindo e gemendo, tecendo e lavrando, mas principalmente parindo, é que se equilibra a nossa balança comercial, o que nos tem permitido viver como nação independente. Diz um amigo meu: - Portugal enquanto tiver a mulher e a sardinha, não morre. (...)

(excerto do capítulo Nazaré, de Os Pescadores, "edição definitiva", com texto fixado "a partir do exemplar de trabalho da 2ª edição (1924) que pertenceu a Raul Brandão", editorial Comunicação,1986)