Se é a poesia, mais do que um impulso vocacional, uma capacidade que luta por realizar-se expressionalmente, refletindo ora o sujeito, ora o objeto, ou a ação, compreende-se que, antes de tomar forma externa, lírica, épica, satírica ou dramática, já é poesia, mas poesia em procura, poesia transitiva em relação a uma forma, buscada, que será, depois, re-buscada, entendendo-se êste último têrmo, não só no sentido de nova procura, mas também no de aprimoramento formal.
Antes de alguém parir seus poemas, já os viveu e reviveu, já lhes comunicou marca e pessoalidade inconfundíveis, de tal maneira que ninguém mais no mundo será capaz de os reviver e os recriar na mesma medida, no mesmo grau afetivo e na mesma plenitude do verdadeiro autor.
Essa pessoalidade essencial é que faz legítimo o poema, tornando-o irreproduzível, o que não significa inimitável, e único, o que não quer dizer não passível de semelhança com outro.
A poesia, em estado inicial, isto é, a poesia latente ainda, com relação aos outros, mas atualizada, com relação ao autor, já se denuncia pela vida, pelo gesto, pelo ser existencial do poeta, antes que êste a exprima em versos.
O tempo do nascimento do poema nem sempre coincide com o de sua concepção. Nem todo poeta tem pressa de revelar aos outros o que já é síntese de beleza e sofrimento em sua alma. Há, entretanto, uma poesia como que impulsiva, que se não contém pacientemente dentro, mas força uma saída, rompe a película do repouso, para ser corpo exterior atuante.
[…](excerto inicial da conferência Considerações sôbre a Poesia de António Gedeão, Centro de Estudos Portugueses, da Faculdade de Filosofia do Crato, 1969)