8.6.13


JOSÉ BLANC DE PORTUGAL


As coisas são para que sejam não para
que as escrevamos As palavras são pa-
ra serem ditas Não para que as escre-
vamos Se escrevemos é para dizer o que
as palavras não são
De aqui a construção de todas as artes
poéticas que se fazem com poemas e não
com palavras Como os tijolos nas casas
Mas as casas não são tijolos, pedras ou
cimento
Os poemas têm dentro vidas — não uma
só vida e as palavras são a caixa, o
frasco, a lata O invólucro que se dei-
ta fora após o consumo do produto Esse
é que é o poema que se consome Ainda
que fiquem registados Como as fotogra-
fias dos mortos O produto é fármaco
feito segundo a arte
Que pode ser apenas a forma de mexer
as mãos Ao lançar palavras no papel Ou
de mover os lábios Ao dizer o poema
que não se escreveu
O resto são coisas secundárias As re-
ceitas baseadas nos poemas só servem
para as imitações
O poema imita o poeta e as suas cria-
ções Imita o que o poeta cria do cria-
do
O resto é ganha-pão de professores e
críticos Que muito divertem o poeta a-
fadigado Quando decide descansar e não
fazer poemas

6.10.70


(in Viola Delta, volume XIX / Maio de 1994)