10.6.09

RIBEIRO COUTO

CAMONOCÓRDIA NUM CAIS DE LISBOA


A rocha de cristal, Camões. Nós outros,
Irisações de sol, pobre poeira.
Língua que foste de uns e foste de outros,
Língua de continentes, marinheira,
Língua de Brancos, Negros e ainda outros,
Que bom haver quem como nós te queira!

Pintores, músicos e artistas outros
Entendidos serão na terra inteira,
Léguas e léguas de países outros.
Poetas, não. A Língua é prisioneira.
A voz com que cantamos, uns e outros,
Será sempre aos de além voz estrangeira.

Filhos do burgo ocidental, nós outros,
Fiéis a tanto afã, tanta canseira,
Ao bem da fama como a tantos outros
Sabemos renunciar de alma fagueira:
Em paga deste amor, maior que os outros,
Baste o poder cantar de tal maneira.

(de Longe, Livros do Brasil, 1961)

9.6.09

O fascismo é uma minhoca
que se infiltra na maçã
ou vem com botas cardadas
ou com pezinhos de lã

(Sérgio Godinho)

Pedindo desculpa aos citados por os juntar num mesmo post, não posso deixar de dar relevo a textos de hoje de Eduardo Pitta e de Paulo da Costa Domingos (que cita, a propósito, este texto de José Saramago) a alertar para uma realidade que não pode ser despachada com frases do tipo "ah, isso são os histéricos do costume". Porque não são. A extrema-direita, as suas intolerâncias e os seus ódios são uma realidade que anda por aí e exige a maior vigilância por parte de todos.
PEDRO BRAGA FALCÃO

XXIV


Se houvesse faróis suficientes
em todas as encostas e cabos,
se toda a deriva trouxesse
cantos épicos e novos sinos,
por deus, escreveria odes
outras que não te canto.
Tanta praia a escurecer,
tanto sol-posto, sentado,
debruçado sobre um sem tempo,
esperado pelo mundo,
comungando sem desejo.
Que houvesse monges e milénios
de um ócio inexpugnável,
que a alma vazia fosse mansão
de um ruído semelhante ao mar
para que eu fosse por ti desejado,
tanto quanto aqui existisse amor.
Esse espaço não tem sentido,
que ocupas.
Tanto és como outra surges.
A inconstância custa-me a paz,
e as línguas de terra pelo ponto adentro
iluminam sempre a mesma costa,
jogos de três espelhos, sem arcos.
A viciosa sorte desanima-me,
os joguetes de mãos nocivas
esgueiram-se entre os arvoredos.
Talvez consolado por essa água
que de sal me apresenta a noite,
caí sem oriente.
O corpo ferido reclama o teu descanso,
misteriosamente minha.
Estou sujo. Os faróis morrem.
Encontrasse eu outros portos
onde menos fosse o vento
e mais a tua presença.

(de Do princípio, edições Cotovia, 2009)

8.6.09

CAMILO CASTELO BRANCO

(...)
- Onde é a Europa? - perguntou D. Teodora colérica.
- A Europa é este mundo por onde anda a gente, minha senhora - respondeu prontamente a viúva.
(...)

(in A Queda de um Anjo, 1865)