JORGE AGUIAR OLIVEIRA
ERRATA
um corpo para cobrir a tua ausência
Mário Cesariny
Mário Cesariny
ONDE SE LÊ
a Fernando Parente Simões
Paço d'Arcos, 1984
I
É por Setembro que
volto, quando todos partem,
às dunas aos suaves fins
de tarde.
II
Quando chega este tempo,
é o Sol que impõe
os caminhos novos.
Depois, é cruel voltarmos
à praia
no fim de verão.
São vestígios desses gestos
recentes. Garrafas de óleo,
latas, pregos, espinhas
das conchas que não encontramos
a lembrança.
III
Na esplanada sob os toldos de verão.
Um olhar ausente
as sardinheiras rosas lagartixas
o canteiro com papoilas secas
da limonada
uns gelos uma palhinha
azul e branca.
Somos deste país
a perder
o rumo da viagem
IV
Chegou um táxi ao Motel.
O rapaz loiro continuava lendo
a revista. Na piscina um corpo
luzidio ancorou-me o olhar.
Antes assim. Sombras de árvores,
gentes intranquilas a trans-
formar a paisagem.
Trazem areias o sal
às turfas às raízes
regressam com mantas sujas
de melão e vinhos. Pinhões
esquecidos no fundo do saco.
Os barcos percorrendo o rio,
chegam ao mar, mas
é tarde demais.
V
De volta, um vento fresco.
O sol de partida.
Alguém a ficar
esperando, as estrelas de verão.
VI
A tua sombra
descansando sobre a areia
a gaivota a cortar
este olhar poisado
na tua sombra
descansando sobre a areia.
Às vezes
perdemos tempos, por nada.
VII
Regresso
com a tranquilidade
ao fim do dia
aos últimos voos
dos pássaros.
LEIA-SE
para Luís Manuel Gaspar
Mira, 1988
I
Por Setembro já não
volto só, quando todos partem
às dunas dos amargos
olhares sobre o rasto
do fim
desta terra.
II
Quando chega esse tempo,
é o Sol que impõe
o tom da Índia
a luz dos sacrifícios.
Sempre foi cruel voltarmos
às praias
no principio do outono.
Caminhar entre sucata.
Rodas, bancos coloridos,
peças de não sei
nada, cheiro porco
a ferro a água, gasolina.
Nos sacos plásticos,
a lembrança
das alforrecas.
III
Na esplanada sobre os toldos no chão.
Um olhar mais ausente
sardinhas para assar
o canteiro seco
ácidos cítricos
málicos mais gelo e duas
palhinhas arco-íris.
Somos daquele país
que lhe alteraram
o rumo da viagem.
IV
Chegou um táxi ao motel.
O rapaz loiro sujo continua lendo
a mesma revista. A piscina seca
fios de ferrugem mosaicos fendidos.
Assim: Sombras de troncos mortos
poucas árvores,
gentes intranquilas
continuando a merdar
a paisagem. Trazem
areias, alcatrão
às turfas calcinadas.
Arrancando as poucas raízes
que restam
regressam com mantas de fibra
sujas de melão e vinho.
Pastilhas elásticas pegadas
ao fundo do saco.
Barcos estrangeiros percorrendo o rio,
chegam ao mar. E
o povo já não lava no rio.
V
Volta sempre um vento
que refresca o ardor
das feridas.
Alguém a ficar
Escarrando, nas estrelas
de verão.
VI
A tua sombra
Picando-se sobre a areia
a gaivota a cortar-se
neste olhar poisado
na tua sombra
a sangrar na areia.
Às vezes perdemos
Tempos de nada.
VII
Regresso
ao fim do dia, ao principio
da garrafa de néon
ao último voo
do pássaro.
ERRATA À ERRATA
para Mário Jorge Lopes
Caminha, 1992
I
quando todos partem
aos amargos
olhares
do fim
II
esse tempo
é o sol
dos sacrifícios.
Cruel.
Sucata
a lembrança
III
no chão
um olhar seco
o rumo
IV
sujo, continua
sombras intranquilas
regressam
ao fundo
no rio
V
o ardor a ficar
VI
a tua sombra
a gaivota
a sangrar
de nada
VII
regresso
ao principio
do pássaro.
(de Homens sem soutien, edição do Autor, 2002)