23.1.08

[assinalando a colaboração blogosférica de mais um poeta]

JORGE AGUIAR OLIVEIRA

ERRATA


um corpo para cobrir a tua ausência
Mário Cesariny

ONDE SE LÊ

a Fernando Parente Simões
Paço d'Arcos, 1984


I

É por Setembro que
volto, quando todos partem,

às dunas aos suaves fins
de tarde.


II

Quando chega este tempo,
é o Sol que impõe

os caminhos novos.

Depois, é cruel voltarmos
à praia
no fim de verão.
São vestígios desses gestos
recentes. Garrafas de óleo,
latas, pregos, espinhas

das conchas que não encontramos
a lembrança.


III

Na esplanada sob os toldos de verão.
Um olhar ausente
as sardinheiras rosas lagartixas
o canteiro com papoilas secas

da limonada
uns gelos uma palhinha
azul e branca.

Somos deste país
a perder

o rumo da viagem


IV

Chegou um táxi ao Motel.
O rapaz loiro continuava lendo
a revista. Na piscina um corpo
luzidio ancorou-me o olhar.
Antes assim. Sombras de árvores,
gentes intranquilas a trans-
formar a paisagem.
Trazem areias o sal
às turfas às raízes
regressam com mantas sujas
de melão e vinhos. Pinhões
esquecidos no fundo do saco.

Os barcos percorrendo o rio,
chegam ao mar, mas
é tarde demais.


V

De volta, um vento fresco.
O sol de partida.

Alguém a ficar

esperando, as estrelas de verão.


VI

A tua sombra
descansando sobre a areia

a gaivota a cortar
este olhar poisado

na tua sombra
descansando sobre a areia.

Às vezes
perdemos tempos, por nada.


VII

Regresso
com a tranquilidade
ao fim do dia

aos últimos voos
dos pássaros.


LEIA-SE

para Luís Manuel Gaspar
Mira, 1988


I

Por Setembro já não
volto só, quando todos partem

às dunas dos amargos
olhares sobre o rasto
do fim
desta terra.


II

Quando chega esse tempo,
é o Sol que impõe

o tom da Índia
a luz dos sacrifícios.

Sempre foi cruel voltarmos
às praias
no principio do outono.
Caminhar entre sucata.
Rodas, bancos coloridos,
peças de não sei
nada, cheiro porco
a ferro a água, gasolina.

Nos sacos plásticos,
a lembrança
das alforrecas.


III

Na esplanada sobre os toldos no chão.
Um olhar mais ausente
sardinhas para assar
o canteiro seco

ácidos cítricos
málicos mais gelo e duas
palhinhas arco-íris.

Somos daquele país
que lhe alteraram
o rumo da viagem.


IV

Chegou um táxi ao motel.
O rapaz loiro sujo continua lendo
a mesma revista. A piscina seca
fios de ferrugem mosaicos fendidos.
Assim: Sombras de troncos mortos
poucas árvores,
gentes intranquilas
continuando a merdar
a paisagem. Trazem
areias, alcatrão
às turfas calcinadas.
Arrancando as poucas raízes
que restam
regressam com mantas de fibra
sujas de melão e vinho.
Pastilhas elásticas pegadas
ao fundo do saco.

Barcos estrangeiros percorrendo o rio,
chegam ao mar. E
o povo já não lava no rio.


V

Volta sempre um vento
que refresca o ardor
das feridas.

Alguém a ficar

Escarrando, nas estrelas
de verão.


VI

A tua sombra
Picando-se sobre a areia

a gaivota a cortar-se
neste olhar poisado

na tua sombra
a sangrar na areia.

Às vezes perdemos
Tempos de nada.


VII

Regresso
ao fim do dia, ao principio
da garrafa de néon

ao último voo
do pássaro.


ERRATA À ERRATA

para Mário Jorge Lopes
Caminha, 1992



I

quando todos partem
aos amargos
olhares

do fim


II

esse tempo
é o sol
dos sacrifícios.
Cruel.
Sucata
a lembrança


III

no chão
um olhar seco

o rumo


IV

sujo, continua
sombras intranquilas
regressam
ao fundo
no rio


V

o ardor a ficar


VI

a tua sombra
a gaivota
a sangrar
de nada


VII

regresso
ao principio
do pássaro.

(de Homens sem soutien, edição do Autor, 2002)

1 comentário:

Anónimo disse...

uma asa em cada sílaba.