LÍDIA JORGE
Não amo a minha pátria
O seu fulgor abstracto e inacessível.
Porém (ainda que soe mal) daria a minha vida
Por dez dos seus lugares, certas pessoas,
Portos, bosques de pinheiros, fortalezas,
Uma cidade desfeita, cinzenta, monstruosa,
Várias figuras da sua história, montanhas
e três ou quatro rios.
Eu também.
(início do primeiro capítulo de Contrato Sentimental, Sextante Editora, 2009)
Muitos são aqueles que apresentam razões fortes para duvidar, mas eu tenho a certeza de que Portugal existe. Ainda há pouco tempo atravessei o território de Norte a Sul, demorei sete horas, sempre a abrir, as auto-estradas funcionaram na perfeição, e por onde elas passavam havia bandeiras verde-rubras hasteadas em locais inimagináveis - encostas de montanhas, cimo de palheiros, telhados de igrejas e até em carros de bois, atadas aos fueiros da frente, eu as vi a acenar, como se a paisagem fosse uma parada. Isto aconteceu um mês depois de a Selecção Portuguesa ter ido à Suíça como favorita e os rapazes se terem portado mal. Quando perguntei a uma funcionária da estação de serviço por que razão ainda mantinham a bandeira arvorada no alto dos cedros, ela olhou-me com um certo desprezo - "Que importância tem? Não é por perdermos que deixamos de ser portugueses." Já no regresso da viagem, vim a olhar para os campos e a pensar no poema que José Emílio Pacheco escreveu sobre o seu país. Vou procurar traduzir para português o que ele pensou em castelhano do México.
Não amo a minha pátria
O seu fulgor abstracto e inacessível.
Porém (ainda que soe mal) daria a minha vida
Por dez dos seus lugares, certas pessoas,
Portos, bosques de pinheiros, fortalezas,
Uma cidade desfeita, cinzenta, monstruosa,
Várias figuras da sua história, montanhas
e três ou quatro rios.
Eu também.
(início do primeiro capítulo de Contrato Sentimental, Sextante Editora, 2009)