JOÃO RUI DE SOUSA
PRELÚDIOS
lPrelúdios eram. E sobreviviam
ao tão contido tempo
de uma chama.
Na lentidão exacta
em que eles cresciam,
seus pascentes olhos
eram inícios
de directriz e lâmina.
2No timbre dos começos,
reboam as auréolas e os címbalos
de bem-aventurança.
Felizes, tangem seus anúncios
de vivaz fortuna
(o clarão de um beijo os selará).
3No alumínio corre,
em discretas tintas de alvorada,
a mão que principia.
Então, as ervas rasas
que a sustentam
tornam-se limos e perfumes
convergentes
no acordeão dos dias.
4Férteis, os ventos desciam pelas margens,
desciam pelo branco de sublimes paredes.
Férteis, os ventos contornavam as rampas
com a sombra e o som dos clarinetes.
5Irrompe talvez fácil o piano:
quase em tumulto, lesto e varonil;
ou ávido de plumas, gracioso e frágil.
Mas logo as suas teclas vão voando
em cadências graves, majestosas,
em rumor de calmas andorinhas
procurando poiso em outras margens:
as que, em seu recato, são
mansões de afecto;
as que, meditabundas, são vindima.
6O amor é um pão nobilitante que
sagrado torna quem à boca o leve
nos dias mais altos: os dias oriundos
de taças erguidas sem palavras,
alçados na festa que os inunda.
7Eis que de repente se abrem
as absolutas fontes (as pedras
consteladas, firmes, bem defronte
do coração habitado).
Eis que de repente um corpo arde.
8Tremem as mãos de assombro e de alegria
quando, junto à deusa,
seguem a sua fragrância de amoras,
os seus delicados contornos:
são cálidos caminhos animados
crescentemente em nós.
9O azul frequenta às vezes as palavras
como se fosse um deus esplendoroso
ou um sino alado, sobrevoante à vida,
ou um fruto essencial a boiar no mosto.
(O azul percorre às vezes a cidade).
(de
Quarteto para as próximas chuvas, publicações Dom Quixote, 2008)