PlTÁGORAS
Saberás ainda que os homens
livremente e por si próprios
escolhem os seus males.
Miseráveis que são, não sabem
nem ver nem entender os bens
à sua beira.
Poucos os que aprenderam a
libertar-se de seus males.
Tal é a sorte que perturba
os espíritos dos mortais
rolando em sentidos vários
acabrunhados por males sem fim.
Inata nos homens realmente
a aflitiva Discórdia os
acompanha e prejudica
sem que dela se apercebam.
Não a provoques antes foge
dela, cedendo.
(excertos de Versos de Ouro Que vulgarmente andam em nome de Pitágoras em vulgar traduzidos por J.[osé] B.[lanc de] P.[ortugal], Assírio & Alvim, 1988 - Assíria)
5.7.11
4.7.11
ARTUR PORTELA FILHO
Os cães
(de Três lágrimas paralelas, editorial Caminho, 1987)
Os cães
O rafeiro chegou ao pé do cão do portão e perguntou-lhe:
— Tu é que és o meu dono?
Como o cão do portão dissesse que não sabia responder, foram os dois lá dentro procurar o cão do jardim e perguntaram-lhe:
— Tu é que és o nosso dono?
Como o cão do jardim dissesse que não sabia responder, foram os três procurar o cão da porta e perguntaram-lhe:
— Tu é que és o nosso dono?
Como o cão da porta dissesse que não sabia responder, foram os quatro procurar o cão da cozinha e perguntaram-lhe:
— Tu é que és o nosso dono?
Como o cão da cozinha dissesse que não sabia responder, foram os cinco procurar o cão do corredor e perguntaram-lhe:
— Tu é que és o nosso dono?
Como cão do corredor dissesse que não sabia responder, subiram os seis a procurar o cão da escada e perguntaram-lhe:
— Tu é que és o nosso dono?
Como o cão da escada dissesse que não sabia responder, subiram os sete a procurar o cão do patamar e perguntaram-lhe:
— Tu é que és o nosso dono?
Como o cão do patamar dissesse que não sabia responder, subiram os oito a procurar o cão da porta e perguntaram-lhe:
— Tu é que és o nosso dono?
Como o cão da porta dissesse que não sabia responder, entraram os nove a procurar o cão do quarto e perguntaram-lhe:
— Tu é que és o nosso dono?
Como o cão do quarto dissesse que não sabia responder, foram os dez procurar o osso e perguntaram-lhe:
— Tu é que és o nosso dono?
O osso ladrou.
(de Três lágrimas paralelas, editorial Caminho, 1987)
3.7.11
JOÃO RUI DE SOUSA
PRELÚDIOS
l
Prelúdios eram. E sobreviviam
ao tão contido tempo
de uma chama.
Na lentidão exacta
em que eles cresciam,
seus pascentes olhos
eram inícios
de directriz e lâmina.
2
No timbre dos começos,
reboam as auréolas e os címbalos
de bem-aventurança.
Felizes, tangem seus anúncios
de vivaz fortuna
(o clarão de um beijo os selará).
3
No alumínio corre,
em discretas tintas de alvorada,
a mão que principia.
Então, as ervas rasas
que a sustentam
tornam-se limos e perfumes
convergentes
no acordeão dos dias.
4
Férteis, os ventos desciam pelas margens,
desciam pelo branco de sublimes paredes.
Férteis, os ventos contornavam as rampas
com a sombra e o som dos clarinetes.
5
Irrompe talvez fácil o piano:
quase em tumulto, lesto e varonil;
ou ávido de plumas, gracioso e frágil.
Mas logo as suas teclas vão voando
em cadências graves, majestosas,
em rumor de calmas andorinhas
procurando poiso em outras margens:
as que, em seu recato, são
mansões de afecto;
as que, meditabundas, são vindima.
6
O amor é um pão nobilitante que
sagrado torna quem à boca o leve
nos dias mais altos: os dias oriundos
de taças erguidas sem palavras,
alçados na festa que os inunda.
7
Eis que de repente se abrem
as absolutas fontes (as pedras
consteladas, firmes, bem defronte
do coração habitado).
Eis que de repente um corpo arde.
8
Tremem as mãos de assombro e de alegria
quando, junto à deusa,
seguem a sua fragrância de amoras,
os seus delicados contornos:
são cálidos caminhos animados
crescentemente em nós.
9
O azul frequenta às vezes as palavras
como se fosse um deus esplendoroso
ou um sino alado, sobrevoante à vida,
ou um fruto essencial a boiar no mosto.
(O azul percorre às vezes a cidade).
(de Quarteto para as próximas chuvas, publicações Dom Quixote, 2008)
PRELÚDIOS
l
Prelúdios eram. E sobreviviam
ao tão contido tempo
de uma chama.
Na lentidão exacta
em que eles cresciam,
seus pascentes olhos
eram inícios
de directriz e lâmina.
2
No timbre dos começos,
reboam as auréolas e os címbalos
de bem-aventurança.
Felizes, tangem seus anúncios
de vivaz fortuna
(o clarão de um beijo os selará).
3
No alumínio corre,
em discretas tintas de alvorada,
a mão que principia.
Então, as ervas rasas
que a sustentam
tornam-se limos e perfumes
convergentes
no acordeão dos dias.
4
Férteis, os ventos desciam pelas margens,
desciam pelo branco de sublimes paredes.
Férteis, os ventos contornavam as rampas
com a sombra e o som dos clarinetes.
5
Irrompe talvez fácil o piano:
quase em tumulto, lesto e varonil;
ou ávido de plumas, gracioso e frágil.
Mas logo as suas teclas vão voando
em cadências graves, majestosas,
em rumor de calmas andorinhas
procurando poiso em outras margens:
as que, em seu recato, são
mansões de afecto;
as que, meditabundas, são vindima.
6
O amor é um pão nobilitante que
sagrado torna quem à boca o leve
nos dias mais altos: os dias oriundos
de taças erguidas sem palavras,
alçados na festa que os inunda.
7
Eis que de repente se abrem
as absolutas fontes (as pedras
consteladas, firmes, bem defronte
do coração habitado).
Eis que de repente um corpo arde.
8
Tremem as mãos de assombro e de alegria
quando, junto à deusa,
seguem a sua fragrância de amoras,
os seus delicados contornos:
são cálidos caminhos animados
crescentemente em nós.
9
O azul frequenta às vezes as palavras
como se fosse um deus esplendoroso
ou um sino alado, sobrevoante à vida,
ou um fruto essencial a boiar no mosto.
(O azul percorre às vezes a cidade).
(de Quarteto para as próximas chuvas, publicações Dom Quixote, 2008)
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