13.12.03

[para acalmar do delírio panfletário-esquerdista de ontem, mas também a propósito da barulheira (vinda de todos os lados) sobre o aborto...]


Veni, Creator spiritus
Mentes tuorum visita:
Imple superna gratia
Quae tu creasti pectora;

Qui Paraclitus diceris,
Donum Dei altissimi,
Fons vivus, ignis, caritas,
Et spiritalis unctio;

Tu septiformis munere,
Dextrae Dei tu digitus,
Tu rite promisso Patris
Sermone ditas guttura

Accende lumen sensibus;
Infunde amorem cordibus;
Infirma nostri corporis
Virtute firmans perpeti.

Hostem repellas longius,
Pacemque dones protinus,
Ductore sic te praevio
Vitemus omne noxium.

Per te sciamus da Patrem,
Noscamus atque Filium;
Te utriusque Spiritum
Credamus omni tempore.

[de preferência com a música de Orlandus Lassus (1532-1594)]

12.12.03

JOSÉ ALEXANDRE GUSMÃO

PEDAÇO DE MUNDO - COLÓNIA


Guarida doentia de neo-pensadores
activistas de barriguismo
(herança de tradições viciosas)
e
defraudados
que exibem maquiavelismo político

- túmulo de origem etno-geo-cultural -
empacotado no país modelo
a esportular concessões de democracia,

descambando em sacrílegas declamações
propensas de cabotinismo fácil

PEDAÇO DE MUNDO - 1/2 DE ILHA

acervo de miopias
na encenação

da incapacidade humana/impotência do solo,
paraplexia de espíritos receosos
da derrocada da aristocracia injuriosa
ou
chafurdeiros
a inquinar a mente, o raciocínio

de centenas de almas

PEDAÇO DE MUNDO - FRENTE

...luta aberta
de almas jovens

que tua decisão - mutação - responsabilidades
não decline a arroubo estéril
mas orgulho tenaz e fecundo -
complemento da intrepidez e labor do povo
e confiança no potencial,
em potencial,

inexplorado,
antes identificado improdutividade,
limitada em esmolas irrisórias
a definir degraus, em despojos irreverentes.
à mão estranha


PEDAÇO DE MUNDO - TIMOR-LESTE

Incoação vibrante
em ombro-a-ombro terra-povo,

geração ufana
suando s/ liberdade no trabalho

clamor de ordem
a emoldurar teu empenho...
Bandeira a tremular
no écran

de CRENTES e DESCRENTES

Timor-Leste, 1974

(da antologia Timor-Leste / poesia, Instituto Nacional do Livro e do Disco, Maputo, 1981)
BORJA DA COSTA

Nasceu em 1946, em Timor Leste.
Morreu no dia 7 de Dezembro de 1975, em Díli, durante a invasão.

UM MINUTO DE SILÊNCIO

Calai
Montes
Vales e fontes
Regatos e ribeiros
Pedras dos caminhos
E ervas do chão,
Calai

Calai
Pássaros do ar
E ondas do mar
Ventos que sopram
Nas praias que sobram
De terras de ninguém,
Calai

Calai
Canas e bambus
Arvores e "ai-rús"
Palmeiras e capim
Na verdura sem fim
Do pequeno Timor,
Calai

Calai
Calai-vos e calemos-nos
POR UM MINUTO

É tempo de silêncio
No silêncio do tempo
Ao tempo de vida
Dos que perderam a vida

PELA PÁTRIA
PELA NAÇÃO
PELO POVO
PELA NOSSA
LIBERTAÇÃO
CALAI - UM MINUTO DE SILÊNCIO...



O RASTO DA TUA PASSAGEM

Silenciaste minha razão
Na razão das tuas leis
Sufocaste minha cultura
Na cultura da tua cultura
Abafaste minhas revoltas
Com a ponta da tua baioneta
Torturaste meu corpo
Nos grilhões do teu império
Subjugaste minha alma
Na fé da tua religião

SAQUEASTE
ASSASSINASTE
MASSACRASTE
ESPOLIASTE
PILHASTE

Minha terra, minha gente
Banhada em sangue
Escorraçada, exangue

Barbaramente civilizaste na demagogia da tua grei
Brutalmente colonizaste na ambição da tua grandeza

Na ponta da tua baioneta
Assinalaste o rasto da tua passagem
Na ponta da minha baioneta
Marcarei na História a forma da minha
LIBERTAÇÃO.


(da antologia Timor-Leste / poesia, Instituto Nacional do Livro e do Disco, Maputo, 1981)
JOSÉ AFONSO

OS FANTOCHES DE KISSINGER


Em toda a parte baqueia
A muralha imperialista
Na ponta duma espingarda
Os povos da Indochina
Varrem da terra sangrenta
Os fantoches de Kissinger

Mas aqui também semeias
No pátio da tua fábrica
No largo da tua aldeia
A fome, a prostituição
São filhas da mesma besta
Que Kissinger tem na mão

Valor à Mulher Primeira
Na luta que nos espera
Só não há vida possível
Na liberdade comprada
Na liberdade vendida
A morte é mais desejada

A NATO não chega a netos
Abaixo o hidrovião
Na ponta duma espingarda
O Povo da Palestina
Mandou a Golda Meir
Uma mensagem divina

Da CIA não tenhas pena
Tem carne viva nas garras
É a pomba de Kissinger
Toda a América Latina
Se lembra das suas farras
A mesma tropa domina

A mesma tropa domina
Só um é embaixador
Mas nada nos abalança
A dormir sobre a calçada
Faz como o trabalhador
Dorme sobre a tua enxada

Faz como o atirador
Dorme sobre a espingarda

(do álbum Com as Minhas Tamanquinhas, 1976)
O Tchernignobyl, colaborador do BdE, escreveu, no dia 7 deste mês, dois apontamentos sobre Henry Kissinger, vencedor do prémio Nobel da Paz em 1973. No primeiro fala do curriculum invejável do "diplomata" e pouco depois dá o exemplo da "democrática" atenção que teve com Videla, na Argentina.
Ora fazia nesse mesmo dia 28 anos que Kissinger estava em visita de "negócios" a Jacarta, enquanto uma força de pára-quedistas consumava a anexação do que viria a ser considerado (indevidamente, claro) a "27ª província da Indonésia" - Timor Leste.
De seguida fica a evocação do tal "promotor da paz" feita por Zeca Afonso, num tempo em que não havia correcções políticas e em que os blogues eram também em vinil, bem como uns poemas timorenses bem marcados pela época.

11.12.03

HENRI MICHAUX

Passagem.
O gosto de ocultar venceu. Venceram a reserva, a prudência, a discrição natural, a instintiva tendência chinesa para apagar vestígios, para evitar encontrar-se a descoberto.

O prazer de manter escondido venceu. Assim a escrita passou a estar ao abrigo, passou a ser um segredo; segredo entre iniciados.

Segredo difícil, longo, custoso de partilhar, segredo para fazer parte de uma sociedade. Círculo que durante séculos e séculos vai permanecer no poder. Oligarquia dos subtis.

(excerto de Idéogrammes en Chine, 1986 / Ideogramas na China, livros Cotovia, 1999 - Série Oriental - tradução de Ernesto Sampaio)
os anjos e a escada rolante do centro comercial

Na sequência de um almoço que não paguei (e não agradeci...), o Tiago compara-me a um anjo "Com quase tantas qualidades quanto Gabriel". Fico tão encavacado (hehe) como ele ficaria se eu lhe mandasse o mesmo piropo.

Depois do almoço o Tiago confessa-me que conhecia pouca coisa do Chesterton, mas no entanto não tenho dúvidas de que o seu "estilo" (à falta de melhor termo...) é pertinentemente chestertoniano, o que foi confirmado, numa escada rolante, por um outro amigo, que entretanto aparecera.

9.12.03

ANDRÉ BRETON

De Rimbaud, em 1913, só conhecia algumas peças de antologia. Ignorava ainda a sua famosa fórmula de rejeição:"A mão de caneta vale a mão de charrua. Que século de mãos! Nunca terei a minha!" Por meu lado, não era menor a repugnância que sentia por todas as "carreiras", incluindo a de escritor profissional. "Horror de todos os ofícios", insistirá Rimbaud...

Para si, alguma coisa se salva nessa época?

Salva-se o que a poesia e a arte puderam produzir de mais raro (...)

(de uma conversa radiofónica com André Parinaud, em 1952, incluída em Entrevistas, edições Salamandra, 1994)
MANUEL DE FREITAS

A poesia é uma realidade histórica, queiramos ou não.

(do prefácio a poetas sem qualidades, Averno, 2002)
GERARDO DIEGO (1896-1987)

No debemos huir de nada. El arte se ha de hacer buscando, reuniendo, integrando. Hacemos decimas, hacemos sonetos, hacemos liras, porque nos da la gana. Magnífica razón, única plena del artista. Pero hay una diferencia con nuestros razonables abuelos del XVIII. Para ellos, la estrofa, la sonata o la cuadrícula eran una obligación. Para nosotros, no. Hemos aprendido a ser libres. Sabemos que esto es un equilibrio, y nada más.

(citado por Pedro C. Cerrillo, em Antología Poética del Grupo del 27, ediciones Akal, 2002)

8.12.03

G. K. CHESTERTON

Eu sempre abriguei o sentimento confuso de que havia alguma coisa de sagrado na raça inglesa, ou na raça humana, e isso me separava do pessimismo da época. Nunca duvidei que os seres humanos no interior das casas eram eles próprios quase milagrosos, como bonecas mágicas e talismânicas dentro de horríveis caixas de bonecas. Para mim, aquelas caixas de tijolos castanhos eram realmente caixas com presentes de Natal. Porque, além do mais, as caixas de Natal vêm muitas vezes embrulhadas em papel pardo. E as obras de tais construtores baratos, feitas de tijolos castanhos, eram muitas vezes semelhantes a papel pardo.

(da Autobiografia, trad. e notas de Luís de Sousa Costa, Livraria Morais editora, 1960 - Círculo do Humanismo Cristão)
SERVIÇO METEOROLÓGICO PARISIENSE NA BLOGOLÂNDIA

A semana passada estavam 3 graus constantemente. Hoje ficamos a saber que -5° C é a temperatura lá fora, o que coincide com estão temperaturas negativas lá fora.
Cardeal ALEXANDRE DO NASCIMENTO

Nasceu em Malanje, Angola, em 1925.
Ordenado presbítero em 1952 e bispo em 1975.
Foi bispo de Malanje e de Lubango e, desde 1986, é Arcebispo de Luanda, sendo emérito desde 2001.
Foi feito Cardeal em 1983, na sequência do rapto a que foi sujeito no ano anterior.

MAMÁ MUXIMA

Na Polónia florida e na terra dos Bascos
Na terra dos Teutões e na Tíndari dos Sículos,
Na Suíça polida e na Itália gentil,
Em muita outra parte, é pura verdade
Que é como preta que a Virgem veneram.

Bem sei que Murillo o impossível pintou,
E que Velasquez, o divino, de Rafael é rival.
Quem não viu em Madrid, quem não viu em Florença,
Milagres de pintura, assombros de cor?
Mas vê como passa essa turba fastienta
Diante de um retábulo de tanto requinte!
Parece sonâmbula, pensa noutra coisa,
Tem o sorriso frio de gente sabedora:
É gente erudita que leu Kant, conhece Espinosa...
Do que não suspeita, por certo, é que tem
a alma defunta...

Outra coisa é este meu povo, este povo sofredor
Gente do "mato" e do chimbeco em Luanda,
- A Velha Mutudi, a tia Ximinha;
Gente que ri, porque sabe o que é chorar;
Gente que cumprimenta, porque sabe o que é desprezo,
Gente que reza e finge zanga à Senhora.
Mas é certo e seguro, nem posso duvidar
Que tem amor, muito amor consigo esta gente.
Há nela essa fé que o Senhor diz fazedora de milagres.

Entre a Virgem do céu e este povo que sofre
Há funda amizade, há infinda ternura
Por isso eu não me rio, nem estranho sequer
Quando vejo gritar, simular grande zanga
Se tarda o milagre, ó Virgem Senhora!

Elas sabem como tomar-Te, entendem-Te tão bem!
Como roçam as mãos e os rostos também
No Teu manto bendito, bendita Mãe!
Pois é este povo que não estranha
Que sejas branca e também sua Mãe!
Mas sou eu quem Te faz a pergunta:
Porquê és assim?
Preta bem preta, nas terras dos brancos,
Branca bem branca na terra dos pretos!
- Não vês, meu filho, que vos quero lembrar
Que sois todos meus, meus pequeninos?
Assim vos não esqueçais que brancos ou pretos
Tendes a vossa Mãe que também é Morena:
Branca muito branca, na terra dos Pretos,
Preta bem preta, na terra dos Brancos:
O que conta para mim não é a cor,
Basta-me o coração: "Muxima!".


DISCRETA E TERNA

Discreta e terna há-de envolver-me
a luz terna do Teu olhar,
Senhora a Quem tantas vezes eu disse
"Ave Maria, cheia de graça":
que Tua presença me não falte
nessa hora, nesse instante.
És a Virgem fiel - a que mantém as promessas,
por isso, Tu cumprirás a promessa:
cumprirás, porque cá me diz o coração: "Mãe!"

Virás, assim, à beira do meu leito,
ou onde quer que a vida me comece a abandonar,
"Santa Maria, Mãe de Deus".
Olhar vago, talvez ardendo em febre,
talvez então nem de Ti eu me lembre,
ó meu Amor de sempre...

"Rogai por nós, pecadores".

Sei, porém, - mais: tenho a certeza
que foi por minha causa
que o Senhor orou: "Nas Tuas mãos,
Pai, entrego a minha alma..."

Desde então, é certo,
sempre que o poente da vida
crisma a fronte de um homem,
vibra intenso, como no Calvário,
o brado saído do coração de Deus:
"Mulher, aí tens o Teu filho".

Discreta e terna há-de envolver-me
a luz terna do Teu olhar.
Estreitando-me junto ao Teu peito virginal,
dirás então aos Anjos em êxtase:
"Um menino nos acaba de nascer..."

Há-de sorrir Isaías.
E Deus, também.

(de Livro de Ritmos, Gráfica de Coimbra, 1994)
[mais um na blogolândia]

JACINTO LUCAS PIRES

[primeiro parágrafo de]
Sombra e Luz

À minha frente estava um homem com duas caras. O comboio atravessava a noite escura. Uma cara olhava-me do vidro, por dentro dela passavam quintais, luzes, casas negras, pessoas, luzes, árvores de braços cortados, luzes, a outra, que o homem tinha sobre o pescoço, via o que lá fora era de ver. Os dois olhares, não sei como, não se cruzavam. Era estranho aquilo. O reflexo era mais real do que a coisa reflectida. Pensei então que o homem era feio. Tinha as sobrancelhas muito grossas e juntas, o nariz torto, a boca indecisa, a barba mal feita, os cabelos grisalhos. A seguir pensei que era bonito. Olhava-me.
(...)

(de Para Averiguar do seu Grau de Pureza, livros Cotovia, 1996)

7.12.03

[gosto muito de inventários XXXII]

São PAULO

(...) em tudo recomendamo-nos como ministros de Deus: por grande perseverança nas tribulações, nas necessidades, nas angústias, nos açoites, nas prisões, nas desordens, nas fadigas, nas vigílias, nos jejuns, pela pureza, pela ciência, pela paciência, pela bondade, por um espírito santo, pelo amor sem fingimento, pela palavra da verdade, pelo poder de Deus, pelas armas ofensivas e defensivas da justiça, na glória e no desprezo, na boa e na má fama; tidos como impostores e, não obstante, verídicos; como desconhecidos e, não obstante, conhecidos; como moribundos e , não obstante, eis que vivemos; como punidos e, não obstante, livres da morte; como tristes e, não obstante, sempre alegres; como indigentes e, não obstante, enriquecendo a muitos; como nada tendo, embora tudo possuamos!

(2ª Carta aos Coríntios, 6, 4-10)
[gosto muito de inventários XXXI]

SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN

FELICIDADE


Pela flor pelo vento pelo fogo
Pela estrela da noite tão límpida e serena
Pelo nácar do tempo pelo cipreste agudo
Pelo amor sem ironia - por tudo
Que atentamente esperamos
Reconheci tua presença incerta
Tua presença fantástica e liberta

(de Livro Sexto, 1962)
[Neruda a fazer inveja a Carlos Tê...]

PABLO NERUDA

A areia


Estas areias de granito amarelo são privativas, insuperáveis. (A areia branca, a areia negra, aderem à pele, ao fato, são impalpáveis e intrusas.) As areias douradas de Isla Negra estão feitas como pequeníssimos penhascos, como se proviessem de um planeta demolido, que ardeu longe, lá em cima, remoto e amarelo.
Toda a gente atravessa a margem arenosa agachando-se, e procurando, remexendo, a tal ponto alguém chamou a esta costa «a Ilha das Coisas Perdidas».
O oceano é incessante fornecedor de pranchas carcomidas, bolas de vidro verde ou bóias de cortiça, fragmentos de garrafa enobrecidos pelas ondas, detritos de caranguejos, búzios, lapas, objectos devorados, envelhecidos pela pressão e pela insistência. Existe espinhas quebradiças ou ouriços minúsculos ou patas de navalheira roxa, o serpentino cochayuyo, alimento dos pobres, alga interminável, e redonda como uma enguia, que resvala e brilha, sacudida ainda na areia pela onda reticente, pelo oceano que a persegue ainda. E já se sabe que esta planta marinha é a mais comprida do planeta, crescendo até quatrocentos metros, presa como um titânico ramo parasita à penedias, sustentando-se como uma divisão de bóias que sustêm a cabeleira da alga macrocristis com milhares de pequenas tetas de âmbar. E como no território andino voa o condor e sobre o mar chileno se reúnem planando todas as famílias do albatroz e como o cachalote ou baleia dentada submergiu nas nossas águas e aqui sobrevive, somos uma pequena pátria de asas muito grandes, de cabeleiras muito longas sacudidas pelo grande oceano, de presenças sombrias nos porões do mar.

(de Una Casa en la Arena, 1966 / Uma Casa na Areia, publicações Dom Quixote, 1998 - tradução de Fernando Assis Pacheco)
[gosto muito de inventários XXX - com um agradecimento à Sandra]

CARLOS TÊ

INVENTÁRIO


Um pneu Michelin, um tampo de fórmica, uma
camurça, um gato morto, um sifão de autoclismo,
uma lata de Sheltox, dois tampaxes, uma garrafa
Três Marias, duas cotonetes, um colchão, um
espelho de alumínio anodizado marca Corsino,
um feto, um frasco de mokambo, um calendário
plastificado da Obra Salesiana com o Sagrado
Coração de Jesus, uma tainha, um cagalhão, uma
Barbie decepada, dois preservativos, três algas,
um Tantum verde, uma embalagem de natas
Agros, uma placa de esferovite, uma diskete TDK,
uma maçã Starking, um disco da Orquestra do
Ray Connitt, uma golfada de nafta e água, muita
água. De onde virá tanta água?

(de penso sujo, in-libris, 2003)
[gosto muito de inventários XXIX]

GLORIA FUERTES

- Hornillos eléctricos brocados bombillas
discos de Beethoven sifones de selt
tengo lamparitas de todos los precios,
ropa usada vendo en buen uso ropa
trajes de torero objetos de nácar,
miniaturas pieles libors y abanicos.
Braseros, navajas, morteros, pinturas.
Pienso para pájaros, huevos de avestruz.
Incunables tengo gusanos de seda
hay cunas de niño y gafas de sol.
Esta bicicleta aunque está oxidada es de buena marca.
Muchas tijeritas, cintas bastidor.
Entren a la tienda vean los armarios,
tresillos visillos mudas interiores,
hay camas cameras casi sin usar.
Artesas de pino forradas de estaño.
Güitos en conserva,
óleos de un discípulo que fue de Madrazo.
Corbatas muletas botas de montar.
Maniquíes tazones cables y tachuelas.
Zapatos en buen uso, santitos a elegir,
tengo santas Teresas, San Cosmes y un San Bruno,
palanganas alfombras relojes de pared.
Pitilleras gramófonos azulejos y estufas.
Monos amaestrados, puntillas y quinqués.
Y vean la sección de libros y novelas,
la revista francesa con tomos de Verlaine,
con figuras posturas y paisajes humanos.
Cervantes Calderón el Óscar y Papini
son muy buenos autores a duro nada más.
Estatuas de Cupido en todos los tamaños
y este velazqueño tapiz de salón,
vea qué espejito, mantas casi nuevas,
sellos importantes, joyas...

(de Obras incompletas, Madrid: Cátedra, 1975 - gentilmente cedido pelo amigo Ferran)