7.12.03

[Neruda a fazer inveja a Carlos Tê...]

PABLO NERUDA

A areia


Estas areias de granito amarelo são privativas, insuperáveis. (A areia branca, a areia negra, aderem à pele, ao fato, são impalpáveis e intrusas.) As areias douradas de Isla Negra estão feitas como pequeníssimos penhascos, como se proviessem de um planeta demolido, que ardeu longe, lá em cima, remoto e amarelo.
Toda a gente atravessa a margem arenosa agachando-se, e procurando, remexendo, a tal ponto alguém chamou a esta costa «a Ilha das Coisas Perdidas».
O oceano é incessante fornecedor de pranchas carcomidas, bolas de vidro verde ou bóias de cortiça, fragmentos de garrafa enobrecidos pelas ondas, detritos de caranguejos, búzios, lapas, objectos devorados, envelhecidos pela pressão e pela insistência. Existe espinhas quebradiças ou ouriços minúsculos ou patas de navalheira roxa, o serpentino cochayuyo, alimento dos pobres, alga interminável, e redonda como uma enguia, que resvala e brilha, sacudida ainda na areia pela onda reticente, pelo oceano que a persegue ainda. E já se sabe que esta planta marinha é a mais comprida do planeta, crescendo até quatrocentos metros, presa como um titânico ramo parasita à penedias, sustentando-se como uma divisão de bóias que sustêm a cabeleira da alga macrocristis com milhares de pequenas tetas de âmbar. E como no território andino voa o condor e sobre o mar chileno se reúnem planando todas as famílias do albatroz e como o cachalote ou baleia dentada submergiu nas nossas águas e aqui sobrevive, somos uma pequena pátria de asas muito grandes, de cabeleiras muito longas sacudidas pelo grande oceano, de presenças sombrias nos porões do mar.

(de Una Casa en la Arena, 1966 / Uma Casa na Areia, publicações Dom Quixote, 1998 - tradução de Fernando Assis Pacheco)

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