Faz hoje oito dias, publiquei aqui uma tentativa de tradução de um poema de Cummings.
Este fabuloso poeta é considerado por muitos como intraduzível e quem o lê no original fica exactamente com a sensação de que aquilo tudo só é possível na língua inglesa. E por isso mesmo, creio eu, se sente tanto a vontade de o traduzir.
Inesperadamente, durante a semana, chegaram-me duas novas propostas (ou melhor: contributos) para uma tradução deste poema: da Márcia Maia e da Sandra Costa, sem uma saber da outra.
Parece-me que é isto que é o prazer de ter um blog.
(a da Márcia:)
acima no silêncio do silêncio
verde com uma terra branca dentro
tu(beijar-me)irás
lá fora na manhã na manhã tão
nova com o mundo quente dentro
(beijar-me)tu irás
por entre a luz do sol a bela luz do
sol com um dia claro dentro
tu irás(beijar-me)
no fundo da tua lembrança
e uma lembrança a lembrança
eu(beijar-me)irei.
(a da Sandra:)
subir ao silêncio esse verde
silêncio com uma terra branca dentro
tu vais(beijar-me)sair
para a manhã essa jovem
manhã com mundo morno dentro
(beijar-me)tu vais
entrar na luz do sol essa bela
luz do sol com um dia firme dentro
tu vais(beijar-me
descendo à tua memória e
à memória e memória
de mim)beijar-me(irei)
7.2.04
6.2.04
[SONETOS À SEXTA-FEIRA]
FRANCISCO DE SÁ DE MIRANDA
Soneto XIII
Não sei que em vós mais vejo e não sei que
Mais ouço e sinto ao rir vosso e falar;
Não sei que vejo mais tê no calar
Nem, quando vos não vejo, a alma que ve?
Que lhe aparece, onde quer que ela esté,
Que olhe o ceo, que a terra, o vento, o mar?
E triste aquele vosso sospirar
Em quanto mais vai, que direi que é?
Certamente não sei: nem isto que anda
Antre nós, se é ele ar como parece,
Se fogo d'outra sorte e d'outra lei.
Em que ando? de que vivo? e nunca abranda
Por ventura se à vista resprandece?
Ora o que eu si tam mal, como direi?
(fixação do texto de Carolina Michaelis de Vasconcelos)
LUÍS DE CAMÕES
Presença bela, angélica figura,
Em quem quanto o Céu tinha nos tem dado;
Gesto alegre, de rosas semeado,
Entre as quais se está rindo a Fermosura;
Olhos onde tem feito tal mistura
Em cristal branco e preto marchetado,
Que vemos já no verde delicado,
Não esperança, mas inveja escura;
Brandura, aviso e graça, que aumentando
A natural beleza c'um desprezo,
Com que, mais desprezada, mais se aumenta:
São as prisões de um coração, que preso,
Seu mal ao som dos ferros vai cantando,
Como faz a Sereia na tormenta
(fixação do texto de Hernâni Cidade)
PEDRO DE ANDRADE CAMINHA
Soneto XXXVII
Passa o dia e a noute, o mês e o ano,
Segue ó brando verão o inverno duro;
O dia agora é claro, agora escuro,
O sol ora aproveita, ora faz dano
Na calma á doce sombra, o alegre engano
De seu amor chora a ave em canto puro;
Depois o tempo, que em nada é seguro,
Lhe dá triste silencio e desengano.
Tudo tem suas mudanças, corre o tempo
Ora assi, ora assi; se de dureza
Ontem usou, oje usa de brandura.
Em mim só ua tristissima tristeza
Sinto sempre tam firme, grave e dura
Que não a abranda ou muda ano nem tempo.
(fixação do texto de J. Priebsch)
Frei AGOSTINHO DA CRUZ
Da contemplação
Dos solitarios bosques a verdura,
Nas duras penedias sustentada,
Nesta Serra, do mar largo cercada,
Me move a contemplar mais fermosura.
Que tem quem tem na terra mor ventura,
Nos mais altos estados arriscada,
Se não tem a vontade registada
Nas mãos do criador da criatura?
A folha, que no bosque verde estava,
Em breve espaço cai, perdida a cor.
Que tantas esperanças sustentava.
Por isso considere o pecador,
Se quando na pintura se enlevava
Não se enlevava mais no seu pintor.
(fixação do texto de António Gil Rafael)
Sóror VIOLANTE DO CÉU
A el Rei D. João IV de Portugal
SONETO EM DIÁLOGO
Que logras Portugal? um Rei perfeito,
quem o constituiu? sacra piedade,
que alcançaste com ele? a liberdade,
que liberdade tens? ser-lhe sujeito.
Que tens na sujeição? honra, e proveito,
que é o novo Rei? quasi Deidade,
que ostenta nas acções? felicidade,
e que tem de feliz? ser por Deus feito.
Que eras antes dele? um laberinto,
que te julgas agora? um firmamento,
temes alguém? não temo a mesma Parca.
Sentes alguma pena? ua só sinto,
qual é? não ser um mundo, ou não ser cento,
para ser mais capaz de tal Monarca
(fixação do texto de Margarida Vieira Mendes)
FRANCISCO DE SÁ DE MIRANDA
Soneto XIII
Não sei que em vós mais vejo e não sei que
Mais ouço e sinto ao rir vosso e falar;
Não sei que vejo mais tê no calar
Nem, quando vos não vejo, a alma que ve?
Que lhe aparece, onde quer que ela esté,
Que olhe o ceo, que a terra, o vento, o mar?
E triste aquele vosso sospirar
Em quanto mais vai, que direi que é?
Certamente não sei: nem isto que anda
Antre nós, se é ele ar como parece,
Se fogo d'outra sorte e d'outra lei.
Em que ando? de que vivo? e nunca abranda
Por ventura se à vista resprandece?
Ora o que eu si tam mal, como direi?
(fixação do texto de Carolina Michaelis de Vasconcelos)
LUÍS DE CAMÕES
Presença bela, angélica figura,
Em quem quanto o Céu tinha nos tem dado;
Gesto alegre, de rosas semeado,
Entre as quais se está rindo a Fermosura;
Olhos onde tem feito tal mistura
Em cristal branco e preto marchetado,
Que vemos já no verde delicado,
Não esperança, mas inveja escura;
Brandura, aviso e graça, que aumentando
A natural beleza c'um desprezo,
Com que, mais desprezada, mais se aumenta:
São as prisões de um coração, que preso,
Seu mal ao som dos ferros vai cantando,
Como faz a Sereia na tormenta
(fixação do texto de Hernâni Cidade)
PEDRO DE ANDRADE CAMINHA
Soneto XXXVII
Passa o dia e a noute, o mês e o ano,
Segue ó brando verão o inverno duro;
O dia agora é claro, agora escuro,
O sol ora aproveita, ora faz dano
Na calma á doce sombra, o alegre engano
De seu amor chora a ave em canto puro;
Depois o tempo, que em nada é seguro,
Lhe dá triste silencio e desengano.
Tudo tem suas mudanças, corre o tempo
Ora assi, ora assi; se de dureza
Ontem usou, oje usa de brandura.
Em mim só ua tristissima tristeza
Sinto sempre tam firme, grave e dura
Que não a abranda ou muda ano nem tempo.
(fixação do texto de J. Priebsch)
Frei AGOSTINHO DA CRUZ
Da contemplação
Dos solitarios bosques a verdura,
Nas duras penedias sustentada,
Nesta Serra, do mar largo cercada,
Me move a contemplar mais fermosura.
Que tem quem tem na terra mor ventura,
Nos mais altos estados arriscada,
Se não tem a vontade registada
Nas mãos do criador da criatura?
A folha, que no bosque verde estava,
Em breve espaço cai, perdida a cor.
Que tantas esperanças sustentava.
Por isso considere o pecador,
Se quando na pintura se enlevava
Não se enlevava mais no seu pintor.
(fixação do texto de António Gil Rafael)
Sóror VIOLANTE DO CÉU
A el Rei D. João IV de Portugal
SONETO EM DIÁLOGO
Que logras Portugal? um Rei perfeito,
quem o constituiu? sacra piedade,
que alcançaste com ele? a liberdade,
que liberdade tens? ser-lhe sujeito.
Que tens na sujeição? honra, e proveito,
que é o novo Rei? quasi Deidade,
que ostenta nas acções? felicidade,
e que tem de feliz? ser por Deus feito.
Que eras antes dele? um laberinto,
que te julgas agora? um firmamento,
temes alguém? não temo a mesma Parca.
Sentes alguma pena? ua só sinto,
qual é? não ser um mundo, ou não ser cento,
para ser mais capaz de tal Monarca
(fixação do texto de Margarida Vieira Mendes)
«Pensando poesia
Neste tempo de poesia em que nada se inventa, e o que se quer inventado tem, pelo menos, trinta e cinco anos, será o soneto uma atitude retrógrada? Ou em tão rigorosas medidas, como um fato feito num alfaiate de prestígio, cabe o homem de hoje e a sua linguagem poética?
Uma boa pergunta, se a Blogolândia fosse uma tertúlia. Mas não é, e assim cada um fica com a sua resposta e talvez com a ideia, porventura em alguns alargada demais, de que hoje são múltiplos os caminhos da poesia.»
Estas palavras, publicadas no aoeste, pelo Nuno Dempster, reavivaram-me a ideia que tenho, quase desde o início deste blog, de criar um espaço de distribuição de sonetos (digamos que quase aleatoriamente) e, eventualmente, textos sobre o assunto.
Mais de quinhentos anos e todas as línguas ocidentais permitem um bom manancial.
Belo pretexto o do Nuno: começa já a seguir!
Neste tempo de poesia em que nada se inventa, e o que se quer inventado tem, pelo menos, trinta e cinco anos, será o soneto uma atitude retrógrada? Ou em tão rigorosas medidas, como um fato feito num alfaiate de prestígio, cabe o homem de hoje e a sua linguagem poética?
Uma boa pergunta, se a Blogolândia fosse uma tertúlia. Mas não é, e assim cada um fica com a sua resposta e talvez com a ideia, porventura em alguns alargada demais, de que hoje são múltiplos os caminhos da poesia.»
Estas palavras, publicadas no aoeste, pelo Nuno Dempster, reavivaram-me a ideia que tenho, quase desde o início deste blog, de criar um espaço de distribuição de sonetos (digamos que quase aleatoriamente) e, eventualmente, textos sobre o assunto.
Mais de quinhentos anos e todas as línguas ocidentais permitem um bom manancial.
Belo pretexto o do Nuno: começa já a seguir!
5.2.04
FRANZ KAFKA
Estava ali especado, de pernas afastadas uma da outra, joelhos inseguros, cabeça ligeiramente levantada, e o ar a circular pela boca aberta, como se não houvesse pulmões lá dentro a controlar a respiração.
(excerto de O Fogueiro, tradução de Álvaro Gonçalves, Assírio & Alvim, 2002 - Gato Maltês)
Estava ali especado, de pernas afastadas uma da outra, joelhos inseguros, cabeça ligeiramente levantada, e o ar a circular pela boca aberta, como se não houvesse pulmões lá dentro a controlar a respiração.
(excerto de O Fogueiro, tradução de Álvaro Gonçalves, Assírio & Alvim, 2002 - Gato Maltês)
CARLOS NEJAR
Nasceu em 1939, em Porto Alegre, Brasil.
Advogado, chegou a fazer estudos em Portugal nessa área.
Tem mais de vinte livros originais de poesia e tem recebido inúmeros prémios ao longo de quase 45 anos de publicação.
Escreveu também romances, ensaios e literatura infanto-juvenil.
LIMITE
Meus mortos, somos ligados
ao mesmo monte.
Porém, o que nos separa
é o estar adiante.
Não vos atinjo
e esta distância
é que me torna cativo.
Há um invólucro apenas
a ser quebrado.
Meus mortos,
há um invólucro apenas
e os meus sonhos vastos.
(de Ordenações, 1971)
Limarás tua esperança
até que a mó se desgaste;
mesmo sem mó, limarás
contra a sorte e o desespero.
Até que tudo te seja
mais doloroso e profundo.
Limarás sem mãos ou braços,
com o coração resoluto.
Conhecerás a esperança,
após a morte de tudo.
(de Canga (Jesualdo Monte), 1971)
MORA JUDICIAL
Demorou o processo
no armário do século.
Nenhum juiz sentenciava
esta causa
de perdas civis.
Aos poucos
o fogo do feito
extinguiu-se:
os interesses
mudaram os fechos,
as trancas da porta.
Mudaram
de casa e de horta.
Uma ninhada de codornizes
se alojou no processo
entre boninas e raízes.
Na justiça
só a flor do tempo
vinga.
Não há migrações de pássaros,
apesar de serem terras arrendadas
ao céu, ao sol, à chuva.
E o homem
obtém do litígio
a derrubada de árvores.
Nunca
a derrubada do mal
- sua guerra púnica.
ELEGIA
Liberdade,
sem ti nada mais sei.
Compreendi o mundo
em ti, sutil
compêndio.
Amei muito antes
de me amares,
entre surtos e sulcos.
Amei
e só a morte
de perder-te
me faz viver
multiplicando
auroras, meses.
E sou tão doido
que o riso inútil
percorri
de me perder, perdendo-te,
perdido em mim.
(de O Poço do Calabouço, Moraes editores, 1974 - Círculo de Poesia)
CANÇÃO PIEDOSA DAS COISAS
Amas as coisas e elas
não podem amar sozinhas
como se fossem boninas
no teu canteiro de folhas.
Talvez coisas andorinhas
numa cômoda horizonte
não podem amar sozinhas
quando nelas tu repousas.
Amas, piedosa, as coisas,
a elas te identificas,
como se fossem raposas
surpreendidas na fadiga.
Ou talvez, raposa a noite
no milharal escondida
ou sob a lua, seu monte,
as coisas se enterneciam
na casa. Sou eu chegando,
é o espaço de tua cama,
o lençol bordado em anos
onde teu corpo enrolaste
junto ao meu. E nos ganhamos.
(de Livro de Gazéis, Moraes editores, 1983 - Canto Universal)
8
Os índios não se davam ao senso de inventar o tempo.
História não havia.
Não fora vivida. Desvivia-se até cair a luz do sol no peito silvestre do (m)ato.
Inventar não: é o só vivendo. Na nudez.
Sem urdir os sonhos, ir sonhando.
E era uma língua de ocasos e dispersos labirintos.
Às vezes, uma fonte baixava na incessante fala sem antes, após, durante, poentes, agoras.
E o tosco informe das modorrentas cores de cada índio.
Um sonho batendo noutro. Infinito.
(de A idade da Aurora: Fundação do Brasil, rapsódia, 1990)
XXVII
AQUÉM DE SUA VONTADE
Não busques o equilíbrio
nas coisas. Elas jazem
aquém de sua vontade.
Nem no dia que se alteia
longe de teus braços.
O equilíbrio é um arrabalde,
um corte na justiça.
Nem o amor, nem o antigo
vagar dos planetas.
Nada te equilibra,
nada salva
seu rumor de semente.
(de A Ferocidade das Coisas, 1980)
[além dos poemas editados em antologias, Carlos Nejar tem três livros de poemas publicados em Portugal: O Poço do Calabouço, Livro de Gazéis e A Idade da Eternidade, poesia reunida (para a Imprensa Nacional, em 2001) que inclui A Idade da Aurora: Fundação do Brasil; Elza dos Pássaros ou a Ordem dos Planetas; Aquém da Infância; Memórias do Porão; A Ferocidade das Coisas e os inéditos Livro de Vozes; Os Mortos Visíveis e Rumor das Idades. Há ainda uma antologia, organizada por António Osório, também intitulada A Idade da Eternidade.
Carlos Nejar organizou, para a Imprensa Nacional, em 1986, a Antologia da Poesia Brasileira Contemporânea]
Nasceu em 1939, em Porto Alegre, Brasil.
Advogado, chegou a fazer estudos em Portugal nessa área.
Tem mais de vinte livros originais de poesia e tem recebido inúmeros prémios ao longo de quase 45 anos de publicação.
Escreveu também romances, ensaios e literatura infanto-juvenil.
LIMITE
Meus mortos, somos ligados
ao mesmo monte.
Porém, o que nos separa
é o estar adiante.
Não vos atinjo
e esta distância
é que me torna cativo.
Há um invólucro apenas
a ser quebrado.
Meus mortos,
há um invólucro apenas
e os meus sonhos vastos.
(de Ordenações, 1971)
Limarás tua esperança
até que a mó se desgaste;
mesmo sem mó, limarás
contra a sorte e o desespero.
Até que tudo te seja
mais doloroso e profundo.
Limarás sem mãos ou braços,
com o coração resoluto.
Conhecerás a esperança,
após a morte de tudo.
(de Canga (Jesualdo Monte), 1971)
MORA JUDICIAL
Demorou o processo
no armário do século.
Nenhum juiz sentenciava
esta causa
de perdas civis.
Aos poucos
o fogo do feito
extinguiu-se:
os interesses
mudaram os fechos,
as trancas da porta.
Mudaram
de casa e de horta.
Uma ninhada de codornizes
se alojou no processo
entre boninas e raízes.
Na justiça
só a flor do tempo
vinga.
Não há migrações de pássaros,
apesar de serem terras arrendadas
ao céu, ao sol, à chuva.
E o homem
obtém do litígio
a derrubada de árvores.
Nunca
a derrubada do mal
- sua guerra púnica.
ELEGIA
Liberdade,
sem ti nada mais sei.
Compreendi o mundo
em ti, sutil
compêndio.
Amei muito antes
de me amares,
entre surtos e sulcos.
Amei
e só a morte
de perder-te
me faz viver
multiplicando
auroras, meses.
E sou tão doido
que o riso inútil
percorri
de me perder, perdendo-te,
perdido em mim.
(de O Poço do Calabouço, Moraes editores, 1974 - Círculo de Poesia)
CANÇÃO PIEDOSA DAS COISAS
Amas as coisas e elas
não podem amar sozinhas
como se fossem boninas
no teu canteiro de folhas.
Talvez coisas andorinhas
numa cômoda horizonte
não podem amar sozinhas
quando nelas tu repousas.
Amas, piedosa, as coisas,
a elas te identificas,
como se fossem raposas
surpreendidas na fadiga.
Ou talvez, raposa a noite
no milharal escondida
ou sob a lua, seu monte,
as coisas se enterneciam
na casa. Sou eu chegando,
é o espaço de tua cama,
o lençol bordado em anos
onde teu corpo enrolaste
junto ao meu. E nos ganhamos.
(de Livro de Gazéis, Moraes editores, 1983 - Canto Universal)
8
Os índios não se davam ao senso de inventar o tempo.
História não havia.
Não fora vivida. Desvivia-se até cair a luz do sol no peito silvestre do (m)ato.
Inventar não: é o só vivendo. Na nudez.
Sem urdir os sonhos, ir sonhando.
E era uma língua de ocasos e dispersos labirintos.
Às vezes, uma fonte baixava na incessante fala sem antes, após, durante, poentes, agoras.
E o tosco informe das modorrentas cores de cada índio.
Um sonho batendo noutro. Infinito.
(de A idade da Aurora: Fundação do Brasil, rapsódia, 1990)
XXVII
AQUÉM DE SUA VONTADE
Não busques o equilíbrio
nas coisas. Elas jazem
aquém de sua vontade.
Nem no dia que se alteia
longe de teus braços.
O equilíbrio é um arrabalde,
um corte na justiça.
Nem o amor, nem o antigo
vagar dos planetas.
Nada te equilibra,
nada salva
seu rumor de semente.
(de A Ferocidade das Coisas, 1980)
[além dos poemas editados em antologias, Carlos Nejar tem três livros de poemas publicados em Portugal: O Poço do Calabouço, Livro de Gazéis e A Idade da Eternidade, poesia reunida (para a Imprensa Nacional, em 2001) que inclui A Idade da Aurora: Fundação do Brasil; Elza dos Pássaros ou a Ordem dos Planetas; Aquém da Infância; Memórias do Porão; A Ferocidade das Coisas e os inéditos Livro de Vozes; Os Mortos Visíveis e Rumor das Idades. Há ainda uma antologia, organizada por António Osório, também intitulada A Idade da Eternidade.
Carlos Nejar organizou, para a Imprensa Nacional, em 1986, a Antologia da Poesia Brasileira Contemporânea]
Luta contra o aborto
João Paulo II pediu a mobilização de todas as comunidades católicas para defender a vida humana, em especial a das crianças ainda por nascer, "não contra as mães, mas junto às mães".
"Não temos que nos resignar diante dos ataques à vida humana, dos quais o primeiro é o aborto!" referiu o Papa, antes da oração do Angelus, na Praça de São Pedro.
Evitando contrapôr os direitos da mãe aos do filho, João Paulo II vincou que "há que multiplicar os esforços para que o direito à vida dos filhos que ainda não nasceram se afirme, não contra as mães, mas junto com elas".
(do boletim da Agência Ecclesia, 3 de Fevereiro de 2004 - sublinhado meu)
João Paulo II pediu a mobilização de todas as comunidades católicas para defender a vida humana, em especial a das crianças ainda por nascer, "não contra as mães, mas junto às mães".
"Não temos que nos resignar diante dos ataques à vida humana, dos quais o primeiro é o aborto!" referiu o Papa, antes da oração do Angelus, na Praça de São Pedro.
Evitando contrapôr os direitos da mãe aos do filho, João Paulo II vincou que "há que multiplicar os esforços para que o direito à vida dos filhos que ainda não nasceram se afirme, não contra as mães, mas junto com elas".
(do boletim da Agência Ecclesia, 3 de Fevereiro de 2004 - sublinhado meu)
4.2.04
JAMES JOYCE
My words in her mind: cold polished stones sinking through a quagmire.
(de Giacomo Joyce, 1968 - escrito, provavelmente, entre 1911 e 1914)
My words in her mind: cold polished stones sinking through a quagmire.
(de Giacomo Joyce, 1968 - escrito, provavelmente, entre 1911 e 1914)
Eu, que já li as duas primeiras páginas do Ulisses de Joyce umas vinte vezes - e uma vinte vezes o devolvi à estante, tomo a feliz nota (tal como já alguns outros da blogolândia) da consumação da leitura completa do referido calhamaço por parte de um grupo de amigos que gosta de partilhar as suas leituras.
Pode ser que seja desta que eu me resolva a passar para a terceira página.
Pode ser que seja desta que eu me resolva a passar para a terceira página.
Jorge Listopad, no seu blogue em papel de jornal, Sol & Sombra, fala de duas das exposições que referi a semana passada:
23 de Janeiro - A fotografia de Gérard.
Gérard Castello-Lopes, amigo de muita gente porque gosta, é (excelente) fotógrafo, pela mesma razão. Quando não gosta, não fotografa. Homem feliz. Actualmente, expõe sob o título "Oui Non" no CCB: 150 ou mais fotografias desde 1956, pretos nos brancos.
Observemos o que observa o fotógrafo e como o faz. Dos plongés sedutores do início, de vidas distantes, até chegar mais perto, aos bancos públicos, horizontais sem horizonte: eis a agitação aparentemente tranquila do mundo. De ligeiros toques neo-realistas até à arquitectura da solidão. Tudo real - tudo ficção. Tudo ficção - tudo real.
Em síntese: do primeiro processo de assimilação ocasional em evolução até ao processo selectivo e exclusivo. Uma vida de pudor: o seu documento; o alibi fotogénico.
28 de Janeiro - Noronha da Costa
Não haverá muitos dias para ver (rever) a exposição de Noronha da Costa no Centro Cultural de Belém. Mas imaginemos, essa pintura tão anti-euclidiana, sem sustentação de ângulos, se fosse apresentada em espaços deformados, ambíguos, as superformas soberanas, embora tudo mal definido, em vez dessas paredes regulares iluminadas regular e correctamente. Imaginemos a exposição de Noronha da Costa dramatizada, encenada: que grande teatro do heterocosmo. Que simulação de outro mundo sem vertical, sem horizontal.
(na última página do JL que saiu hoje)
23 de Janeiro - A fotografia de Gérard.
Gérard Castello-Lopes, amigo de muita gente porque gosta, é (excelente) fotógrafo, pela mesma razão. Quando não gosta, não fotografa. Homem feliz. Actualmente, expõe sob o título "Oui Non" no CCB: 150 ou mais fotografias desde 1956, pretos nos brancos.
Observemos o que observa o fotógrafo e como o faz. Dos plongés sedutores do início, de vidas distantes, até chegar mais perto, aos bancos públicos, horizontais sem horizonte: eis a agitação aparentemente tranquila do mundo. De ligeiros toques neo-realistas até à arquitectura da solidão. Tudo real - tudo ficção. Tudo ficção - tudo real.
Em síntese: do primeiro processo de assimilação ocasional em evolução até ao processo selectivo e exclusivo. Uma vida de pudor: o seu documento; o alibi fotogénico.
28 de Janeiro - Noronha da Costa
Não haverá muitos dias para ver (rever) a exposição de Noronha da Costa no Centro Cultural de Belém. Mas imaginemos, essa pintura tão anti-euclidiana, sem sustentação de ângulos, se fosse apresentada em espaços deformados, ambíguos, as superformas soberanas, embora tudo mal definido, em vez dessas paredes regulares iluminadas regular e correctamente. Imaginemos a exposição de Noronha da Costa dramatizada, encenada: que grande teatro do heterocosmo. Que simulação de outro mundo sem vertical, sem horizontal.
(na última página do JL que saiu hoje)
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Fotografia,
Jorge Listopad,
prosa
O João do Companheiro Secreto vai ao Nepal buscar o que podia encontrar em Ruy Cinatti:
Dizer o como, o porquê,
Não posso.
Se me amas, concebes
Deus em mim.
(citado de cor)
[obviamente, nada de censurável, até tendo em conta todos os lugares onde Cinatti foi buscar estes versos]
Dizer o como, o porquê,
Não posso.
Se me amas, concebes
Deus em mim.
(citado de cor)
[obviamente, nada de censurável, até tendo em conta todos os lugares onde Cinatti foi buscar estes versos]
3.2.04
MÁS COMPANHIAS III
... depois há blogues que são como lugares mal situados; lá, onde as ruas não têm nome.
... depois há blogues que são como lugares mal situados; lá, onde as ruas não têm nome.
MÁS COMPANHIAS II
O tipo estuda filosofia, teve um professor que foi dos Mata-Ratos (esse mítico grupo de culto suburbano) e consegue embasbacar uma aula do seu curso com um bem fundado (ele enviou-mo) texto sobre poesia japonesa.
Além disso gosta de dizer palavrões, é cinéfilo e tem patilhas à lobisomem.
Já tomei um café com ele.
O tipo estuda filosofia, teve um professor que foi dos Mata-Ratos (esse mítico grupo de culto suburbano) e consegue embasbacar uma aula do seu curso com um bem fundado (ele enviou-mo) texto sobre poesia japonesa.
Além disso gosta de dizer palavrões, é cinéfilo e tem patilhas à lobisomem.
Já tomei um café com ele.
MÁS COMPANHIAS I
[Não sei se é por ser meu amigo, mas acho que deviam prestar atenção ao que este rapazinho escreve.]
NUNO TRAVANCA
quando a própria virtude se conquista no mover do peito
todo um encastoado de vimes sepulcrados em mim
se agita , atordoado
contemplando a sanha doce, o papel de ontem revolto,
como um junco pueril que se disfarça em si mesmo
acontecem as violentas brisas
as quais jamais devemos sustentar ao ombro,
ou aos ombros.
quando o nosso som é redimido entre escombros
o melhor é percepcionar o mover de peito
por dentro
e imperceptível ao gesto
gritar gritar mais alto do que alguém possa
ouvir.
[Não sei se é por ser meu amigo, mas acho que deviam prestar atenção ao que este rapazinho escreve.]
NUNO TRAVANCA
quando a própria virtude se conquista no mover do peito
todo um encastoado de vimes sepulcrados em mim
se agita , atordoado
contemplando a sanha doce, o papel de ontem revolto,
como um junco pueril que se disfarça em si mesmo
acontecem as violentas brisas
as quais jamais devemos sustentar ao ombro,
ou aos ombros.
quando o nosso som é redimido entre escombros
o melhor é percepcionar o mover de peito
por dentro
e imperceptível ao gesto
gritar gritar mais alto do que alguém possa
ouvir.
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Nuno Travanca,
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ANTÓNIO RAMOS ROSA
ATRAVESSAR O DESERTO
Repetem-se as palavras como a erva.
Entre o corpo o muro há um vazio voraz.
Este é o intervalo entre os flancos da terra
Esta a boca sem lábios que lê os ossos da página.
O poema reúne todas as partes vivas.
A palavra apaga-se na nudez que se propaga.
As letras renascem de uma inércia atroz.
O corpo é um soluço sem sol e sem palavras.
Como passar o deserto sem a água do silêncio?
Como atravessar a página sem a sombra das letras?
As perguntas são ardentes imagens que se despem.
A nudez recomeça entre todas as letras.
O sentido percorre os ombros do silêncio.
Não há diferença alguma entre o corpo e a sombra.
O poema é legível nesta unidade obscura.
A claridade é o livre interrogar que avança.
O poema é o ardor do espaço, o deserto incandescente.
(in «ARCO-IRIS», Caderno de Ideias Literárias, 3, Porto, Abril de 1977 - edição conjunta dos 3 primeiros números: A Regra do Jogo, 1977 - direcção de Eduardo Paz Barroso e Paulo Jorge Tunhas)
EXERCÍCIOS DO DESERTO
I
Que sinal acender?
A mão sem terra sem o fogo.
O suporte inicial? A busca unânime?
A mão na folha procura a fenda.
Desesperados insectos sobre o pulso.
Onde vive o desejo? Nestes resíduos ténues?
Onde. Soa a pedra. Recorda a pedra.
Ou a sombra do corpo. A leve
circunferência em torno da nudez.
Um nome de ar e terra, um nome só
agora no centro desolado.
Um nome acorda?
Um flanco alvo no desolado centro.
A tangência feliz dos dedos sobre o cimo
de um corpo em gestação. Que nome
és tu, que nome ou nomes,
onde e onde
e boca ou folha
e não são os resíduos sobre a sombra.
Onde tocava a pedra. Onde o corpo.
II
Vestígios de um lugar. Vestígios verdes
cinzentos
Mas sem o espaço sem a amplitude do campo.
Escrever com ardor na sombra do quarto.
Á espera de. Ou sem esperar. Escrever.
E ele escreve, ele espera o que ele chama
a densidade.
III
Talvez seja o momento de.
Mesmo sem esperança. E ele escreve:
nenhum impulso para ti.
Um espaço deserto.
Ele prescuta entre as pedras e as sombras.
Nada vê. Ignora. Olha.
que traços são estes, qual a origem destas palavras nulas?
Ele escreve. Ele deseja esse desejo
de tornar habitável o deserto.
(in «ARCO-IRIS», Caderno de Ideias Literárias, 4, A Regra do Jogo, 1977 - direcção de Eduardo Paz Barroso e Paulo Jorge Tunhas)
[não sei se estes poemas tiveram outra edição]
ATRAVESSAR O DESERTO
Repetem-se as palavras como a erva.
Entre o corpo o muro há um vazio voraz.
Este é o intervalo entre os flancos da terra
Esta a boca sem lábios que lê os ossos da página.
O poema reúne todas as partes vivas.
A palavra apaga-se na nudez que se propaga.
As letras renascem de uma inércia atroz.
O corpo é um soluço sem sol e sem palavras.
Como passar o deserto sem a água do silêncio?
Como atravessar a página sem a sombra das letras?
As perguntas são ardentes imagens que se despem.
A nudez recomeça entre todas as letras.
O sentido percorre os ombros do silêncio.
Não há diferença alguma entre o corpo e a sombra.
O poema é legível nesta unidade obscura.
A claridade é o livre interrogar que avança.
O poema é o ardor do espaço, o deserto incandescente.
(in «ARCO-IRIS», Caderno de Ideias Literárias, 3, Porto, Abril de 1977 - edição conjunta dos 3 primeiros números: A Regra do Jogo, 1977 - direcção de Eduardo Paz Barroso e Paulo Jorge Tunhas)
EXERCÍCIOS DO DESERTO
I
Que sinal acender?
A mão sem terra sem o fogo.
O suporte inicial? A busca unânime?
A mão na folha procura a fenda.
Desesperados insectos sobre o pulso.
Onde vive o desejo? Nestes resíduos ténues?
Onde. Soa a pedra. Recorda a pedra.
Ou a sombra do corpo. A leve
circunferência em torno da nudez.
Um nome de ar e terra, um nome só
agora no centro desolado.
Um nome acorda?
Um flanco alvo no desolado centro.
A tangência feliz dos dedos sobre o cimo
de um corpo em gestação. Que nome
és tu, que nome ou nomes,
onde e onde
e boca ou folha
e não são os resíduos sobre a sombra.
Onde tocava a pedra. Onde o corpo.
II
Vestígios de um lugar. Vestígios verdes
cinzentos
Mas sem o espaço sem a amplitude do campo.
Escrever com ardor na sombra do quarto.
Á espera de. Ou sem esperar. Escrever.
E ele escreve, ele espera o que ele chama
a densidade.
III
Talvez seja o momento de.
Mesmo sem esperança. E ele escreve:
nenhum impulso para ti.
Um espaço deserto.
Ele prescuta entre as pedras e as sombras.
Nada vê. Ignora. Olha.
que traços são estes, qual a origem destas palavras nulas?
Ele escreve. Ele deseja esse desejo
de tornar habitável o deserto.
(in «ARCO-IRIS», Caderno de Ideias Literárias, 4, A Regra do Jogo, 1977 - direcção de Eduardo Paz Barroso e Paulo Jorge Tunhas)
[não sei se estes poemas tiveram outra edição]
2.2.04
A propósito, Ricardo Araújo Pereira não é o único blogger nacional a aparecer em filmes de Hollywood. Já em 1962, Pedro Mexia foi nomeado para o óscar de melhor actor secundário pelo seu desempenho em What Ever Happened to Baby Jane?, contracenando com Bette Davis e Joan Crawford.
Esta semana, na Grande Reportagem, Pedro Mexia na sua habitual crónica fala sobre a sua experiência de gordo. Já antes tinha falado da sua experiência de peão e outros relatos pessoais similares. Prevejo para breve crónicas com títulos tipo: "Nós, os loiros", "Nós, os que calçamos 43" ou (e será a que mais me interessará) "Nós, os que nascemos em 1972".
Como diria alguém: "o rapaz é um bom poeta, não havia necessidade..."
Como diria alguém: "o rapaz é um bom poeta, não havia necessidade..."
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