FRANK O'HARA
Nasceu em 1926, em Baltimore (EUA).
Estudou música e inglês em Harvard e formou-se na Universidade do Michigan. Entretanto escreve peças de teatro e emprega-se no Museum of Modern Art, de Nova Iorque onde chegará a ser Conservador das Exposições de Pintura e Escultura.
Os seus interesses abrangem toda a criação artística, característica comum ao grupo a que se chamou "poetas de Nova Iorque".
Morreu em 1966 num desastre de automóvel.
POEMA PESSOAL
Agora quando passeio à hora do almoço
já só tenho dois amuletos no bolso
uma velha moeda Romana que Mike Kanemitsu me deu
e um parafuso que se soltou de uma mala
quando estive em Madrid os outros nunca
me trouxeram muita sorte embora me ajudassem
a permanecer em Nova Iorque contra coerção
mas agora por algum tempo estou feliz e interessado
caminho pela humidade luminosa
passando pelo líquido e as poltronas
da House of Seagram e a construção à
esquerda que fechou o passeio se
alguma vez trabalhar na construção
gostaria por favor de ter um chapéu de prata
e chego ao Moriarty?s onde espero por
LeRoi e ouço quem quer mexer-se e
rebolar-se nos últimos cinco anos a minha percentagem
de batimento é só 0.16 e LeRoi entra
e conta-me que Miles Davis foi espancado 12
vezes ontem à noite à porta do BIRDLAND por um chui
uma senhora pede-nos um níquel para uma doença
terrível mas não lhe damos não
gostamos de doenças terríveis, depois
vamos comer peixe e beber cerveja está
frio mas cheio de gente e decidimos não gostar
de Lionel Trilling, gostamos de Don Allen, não gostamos
de Henry James tanto como de Herman Melville
não queremos ficar no passeio dos poetas em
São Francisco aliás só queremos ser ricos
e caminhar nos andaimes com chapéus de prata
pergunto-me se alguma pessoa destes 8 000 000
pensa em mim enquanto aperto a mão a LeRoi
e compro uma pulseira para o relógio e volto
feliz para o trabalho pensando que talvez
PORQUE NÃO SOU UM PINTOR
Eu não sou um pintor, sou um poeta.
Porquê? Penso que preferia ser
um pintor, mas não sou. Bom,
Mike Goldberg, por exemplo,
está a iniciar um quadro. Eu apareço.
«Senta-te e toma uma bebida» diz
ele. Eu bebo; nós bebemos. Reparo
«Tu tens SARDINHAS aí».
«Sim, precisava de qualquer coisa ali.»
«Oh.» Eu saio e os dias passam
e eu apareço de novo. O quadro
avança, e eu saio, e os dias
passam. Eu apareço. O quadro está
terminado. «Onde estão as SARDINHAS?»
o que resta são apenas
letras. «Era demasiado», diz Mike.
E eu? Um dia estou a pensar numa
cor: laranja. Escrevo uma linha
acerca de laranja. Em breve é uma
página que está cheia, não de linhas, de palavras.
Depois outra página. Deveria haver
muitíssimo mais, não laranja,
palavras, como é terrível o laranja
e a vida. Os dias passam. Acontece ser
em prosa, sou um verdadeiro poeta. O meu poema
está terminado e ainda nem sequer mencionei
o laranja. São doze poemas, chamo-lhes
LARANJAS. E um dia numa galeria
vejo o quadro de Mike, chamado SARDINHAS.
(de Vinte e Cinco Poemas à Hora do Almoço, Assírio & Alvim, 1995 - tradução de José Alberto Oliveira)
26.7.03
POESIA E BLOGS (III)
JOSÉ MÁRIO SILVA
Nasceu em paris, em 1972. Recordista de prémios no DNJovem, leitor compulsivo (de tal maneira que deu reportagem na Ler no Inverno de 1997). Licenciou-se em biologia. É jornalista, editor-adjunto do DNA. Publicou este ano uma sequência de poemas incluído em Malcata 7 Geografias da editora Alma Azul. [convém também destacar os excelentes contos curtíssimos que tem publicados nas revistas v-ludo e 365 e na colectânea de jovens criadores Blémias, Ciápodes e Licornes - co-edição da Íman editores e do Clube Português de Artes e Ideias, em 2001]
Além disso, dirige com o irmão Manuel uma pequena empresa familiar, que deixam à guarda do pai durante as férias.
RUÍNAS
De súbito tudo faz sentido, a casa em
ruínas, o apito do comboio ao longe,
a noite densa rasgada pelos pirilampos,
ainda a Primavera debruçada nas águas
do rio, em reflexos de dálias e açucenas
enquanto outras flores ardem num
punho que se fecha; adeus, tudo faz
sentido, a estrada por onde já não
chega o autocarro verde, o Outono
descendo sobre as árvores e as colinas,
o comboio a apitar, o aceno através
da bruma; adeus, as ruínas ficam
mas eu não.
(in Dez, livro colectivo em edição dos autores,1995)
BESTIÁRIO MÍNIMO
I. corvos
Vírgulas suspensas
entre ciprestes.
II. grilos
Já se calaram há muito
mas o seu canto ficou a pairar
sobre a seara, dentro da cabeça.
III. salmões
O rio original, espécie de útero,
chama por eles. E eles voltam.
IV. rãs
Vivem na margem do lago,
à espera de uma fábula ou
de um verso japonês.
«O SONHO DE JOSÉ» [PAULA REGO]
Há um velho adormecido (ou morto) numa
cadeira de braços e uma rapariga que o desenha,
atenta. Não interessa saber mais nada: ela desenha,
ele dorme (ou está morto). O anjo vem de outro quadro
e não interfere na história, é um anjo apenas, intangível
como todos os anjos. Para lá das paredes talvez dentro
do sonho, duas raparigas brincam, um cão morde com
raiva o tornozelo de uma mulher e há o rinoceronte que
nos faz pensar em Dürer. Não interessa saber mais nada.
(de Nuvens & Labirintos, Gótica, 2001)
«ICH HABE GENUG» (BWV 82)
Para o Manel
Não é uma questão de lógica.
O milagre é o que está para além
da pauta, a lenta melodia do oboé
desenhando a sua arquitectura aérea.
Agora vejo a poeira suspensa na luz,
o apogeu do outono numa cidade
que se recusou a ser minha, as
armas serenas da tristeza. A voz
de Hans Hotter – tão escura, tão
resignada – traz-me ainda, do Velho
Testamento, uma capitulação feliz.
NO CIMO DAS ESCADAS
Foi a meio de um sonho turvo.
Vi-o à porta de casa, o corpo
tremendo, a pele eriçada por
um frio antigo. Era Primo Levi
no cimo das escadas, sozinho
– um segundo antes da queda.
O sonho era turvo. Ele não.
Continuava de pé, já morto.
Os olhos magoados, as mãos
abertas em concha, como se
nelas ainda houvesse restos
do que não disse. E cinzas.
(in Um poema de vez em quando, n.º 3 - outono de 2002, revista on-line de editora Elefante)
JOSÉ MÁRIO SILVA
Nasceu em paris, em 1972. Recordista de prémios no DNJovem, leitor compulsivo (de tal maneira que deu reportagem na Ler no Inverno de 1997). Licenciou-se em biologia. É jornalista, editor-adjunto do DNA. Publicou este ano uma sequência de poemas incluído em Malcata 7 Geografias da editora Alma Azul. [convém também destacar os excelentes contos curtíssimos que tem publicados nas revistas v-ludo e 365 e na colectânea de jovens criadores Blémias, Ciápodes e Licornes - co-edição da Íman editores e do Clube Português de Artes e Ideias, em 2001]
Além disso, dirige com o irmão Manuel uma pequena empresa familiar, que deixam à guarda do pai durante as férias.
RUÍNAS
De súbito tudo faz sentido, a casa em
ruínas, o apito do comboio ao longe,
a noite densa rasgada pelos pirilampos,
ainda a Primavera debruçada nas águas
do rio, em reflexos de dálias e açucenas
enquanto outras flores ardem num
punho que se fecha; adeus, tudo faz
sentido, a estrada por onde já não
chega o autocarro verde, o Outono
descendo sobre as árvores e as colinas,
o comboio a apitar, o aceno através
da bruma; adeus, as ruínas ficam
mas eu não.
(in Dez, livro colectivo em edição dos autores,1995)
BESTIÁRIO MÍNIMO
I. corvos
Vírgulas suspensas
entre ciprestes.
II. grilos
Já se calaram há muito
mas o seu canto ficou a pairar
sobre a seara, dentro da cabeça.
III. salmões
O rio original, espécie de útero,
chama por eles. E eles voltam.
IV. rãs
Vivem na margem do lago,
à espera de uma fábula ou
de um verso japonês.
«O SONHO DE JOSÉ» [PAULA REGO]
Há um velho adormecido (ou morto) numa
cadeira de braços e uma rapariga que o desenha,
atenta. Não interessa saber mais nada: ela desenha,
ele dorme (ou está morto). O anjo vem de outro quadro
e não interfere na história, é um anjo apenas, intangível
como todos os anjos. Para lá das paredes talvez dentro
do sonho, duas raparigas brincam, um cão morde com
raiva o tornozelo de uma mulher e há o rinoceronte que
nos faz pensar em Dürer. Não interessa saber mais nada.
(de Nuvens & Labirintos, Gótica, 2001)
«ICH HABE GENUG» (BWV 82)
Para o Manel
Não é uma questão de lógica.
O milagre é o que está para além
da pauta, a lenta melodia do oboé
desenhando a sua arquitectura aérea.
Agora vejo a poeira suspensa na luz,
o apogeu do outono numa cidade
que se recusou a ser minha, as
armas serenas da tristeza. A voz
de Hans Hotter – tão escura, tão
resignada – traz-me ainda, do Velho
Testamento, uma capitulação feliz.
NO CIMO DAS ESCADAS
Foi a meio de um sonho turvo.
Vi-o à porta de casa, o corpo
tremendo, a pele eriçada por
um frio antigo. Era Primo Levi
no cimo das escadas, sozinho
– um segundo antes da queda.
O sonho era turvo. Ele não.
Continuava de pé, já morto.
Os olhos magoados, as mãos
abertas em concha, como se
nelas ainda houvesse restos
do que não disse. E cinzas.
(in Um poema de vez em quando, n.º 3 - outono de 2002, revista on-line de editora Elefante)
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25.7.03
POETAS IMPROVÁVEIS (III)
ARTUR JORGE
Nasceu em 1946, no Porto.
Começa a jogar futebol em 1960, nos juniores do FC Porto, passando para a equipa principal. Em 1965 tranfere-se para Coimbra, para jogar na Académica e para o curso de Filologia Germânica, que só acaba em 1975, em Lisboa, em virtude da sua transferência para o Benfica e depois para o Belenenses. Entretanto ganha quatro campeonatos, duas taças de Portugal e duas botas de prata. Quando termina a carreira de jogador vai para Leipzig (na então RDA) para tirar os cursos de Futebol e Metodologia do Treino. Desde então tem sido um dos mais conceituados treinadores de futebol do nosso país, tendo chegado a treinar a Selecção Nacional. Actualmente treina a Académica de Coimbra.
Sei
uma fonte
com um peixe
azul
(a este olhar
se esconde)
em seu lugar
tudo
nasce
nada
à tona de água
*
Uma estátua
está poisada
como todas as estátuas anteriores
sobre os ombros
de aquário
no fundo da água
(dizem)
há uma outra estátua
quase branca
transparente
a terceira é a mais alta
está deitada
de súbito vê-se o corpo
embora ausente
*
Vê-se
claramente
como a sombra cora
ao bater na face da água
(as figueiras
inumeráveis e graves
trajam de negro
pelos campos de Granada)
Com as mãos em roda dos touros
parte a alegria toda
inclinada
(de Vértice da Água, edições «O Jornal», 1983)
ARTUR JORGE
Nasceu em 1946, no Porto.
Começa a jogar futebol em 1960, nos juniores do FC Porto, passando para a equipa principal. Em 1965 tranfere-se para Coimbra, para jogar na Académica e para o curso de Filologia Germânica, que só acaba em 1975, em Lisboa, em virtude da sua transferência para o Benfica e depois para o Belenenses. Entretanto ganha quatro campeonatos, duas taças de Portugal e duas botas de prata. Quando termina a carreira de jogador vai para Leipzig (na então RDA) para tirar os cursos de Futebol e Metodologia do Treino. Desde então tem sido um dos mais conceituados treinadores de futebol do nosso país, tendo chegado a treinar a Selecção Nacional. Actualmente treina a Académica de Coimbra.
Sei
uma fonte
com um peixe
azul
(a este olhar
se esconde)
em seu lugar
tudo
nasce
nada
à tona de água
*
Uma estátua
está poisada
como todas as estátuas anteriores
sobre os ombros
de aquário
no fundo da água
(dizem)
há uma outra estátua
quase branca
transparente
a terceira é a mais alta
está deitada
de súbito vê-se o corpo
embora ausente
*
Vê-se
claramente
como a sombra cora
ao bater na face da água
(as figueiras
inumeráveis e graves
trajam de negro
pelos campos de Granada)
Com as mãos em roda dos touros
parte a alegria toda
inclinada
(de Vértice da Água, edições «O Jornal», 1983)
POETAS IMPROVÁVEIS (II)
JOAQUIM BENITE
Começou como crítico de teatro e em 1970, já como encenador, funda o Grupo de Campolide, que em 1978 passa para Almada, depois de uma temporada no Trindade. Tem sido um grande divulgador do teatro, não só como encenador, sua principal actividade, mas também com textos de reflexão, formação e na direcção da Companhia de Teatro de Almada, da revista Cadernos de Teatro e do importante acontecimento cultural que é o Festival de Almada, já há 20 anos.
Bandeiras
Na cidade de pasta
vivo triste
em busca do caminho
para o mar
a minha rua
está cheia de bandeiras
que poemas cantarão
os meus vizinhos
na cidade de pasta
com janelas de vidro?
bandeiras
na rua
são os soldados menino
anda ver a música
o tambor quebrado
contra o teu destino
bandeiras na gente
que passa
quem grita dentro desta gente?
bandeiras
que vão para a guerra
fabricar bandeiras
(cantiga de embalar dita por um velho pacifista);
De onde nascer a glória
meu filho
cairá vazio nos jardins
o sol nascerá
do lado do teu coração
Canção do Camponês
Falo
porque caminho
e pergunto
porque amo
simplesmente
as mãos da terra
porque sangra
a ferida
que outros fizeram
porque tenho o corpo
cheio de futuro
falo
porque a enxada geme
nos meus ombros
neste dever curvado
de cantar a luta
(de Tempo de Guerra, in Andaime - 1º Caderno, Julho de 1963)
JOAQUIM BENITE
Começou como crítico de teatro e em 1970, já como encenador, funda o Grupo de Campolide, que em 1978 passa para Almada, depois de uma temporada no Trindade. Tem sido um grande divulgador do teatro, não só como encenador, sua principal actividade, mas também com textos de reflexão, formação e na direcção da Companhia de Teatro de Almada, da revista Cadernos de Teatro e do importante acontecimento cultural que é o Festival de Almada, já há 20 anos.
Bandeiras
Na cidade de pasta
vivo triste
em busca do caminho
para o mar
a minha rua
está cheia de bandeiras
que poemas cantarão
os meus vizinhos
na cidade de pasta
com janelas de vidro?
bandeiras
na rua
são os soldados menino
anda ver a música
o tambor quebrado
contra o teu destino
bandeiras na gente
que passa
quem grita dentro desta gente?
bandeiras
que vão para a guerra
fabricar bandeiras
(cantiga de embalar dita por um velho pacifista);
De onde nascer a glória
meu filho
cairá vazio nos jardins
o sol nascerá
do lado do teu coração
Canção do Camponês
Falo
porque caminho
e pergunto
porque amo
simplesmente
as mãos da terra
porque sangra
a ferida
que outros fizeram
porque tenho o corpo
cheio de futuro
falo
porque a enxada geme
nos meus ombros
neste dever curvado
de cantar a luta
(de Tempo de Guerra, in Andaime - 1º Caderno, Julho de 1963)
24.7.03
POETAS IMPROVÁVEIS (I)
LENA d’ÁGUA
Nasceu em 1956 em Lisboa.
Uma das vozes com mais sucesso na explosão da nova música portuguesa no início dos anos 80, remeteu-se entretanto à discrição. Recentemente foi vista num programa de televisão pouco aconselhável.
7.
fio de trovoadas incandescentes na lã do trigo
beijando os pés de algodão neste tremor emba-
lante do âmago.
mar de cerejas penduradas num calmo torpor nú
de caracóis dourados nos dedos.
num êxtase de dois lagos profundos, sonho
na vertigem colorida da descolagem
dia felino, dia azul de princípio de mundo
explosão de nascer de sol posto sob o corpo
de um deus renascido da seiva
fervendo nas veias de uma árvore escondida
da cidade tumefacta.
Redescobrir constante de brando e cru chamamento
da mãe Terra na forma de uma carícia
transparentemente nascida na boca, sentida
nos dedos, amada nos cabelos da constelação
que tu és e ninguém sabe.
26.
depois saí para a chuva
sozinha e improvisada
corri perdia de amor
no corpo nos olhos
na noite esquecida de betão
e de mim
desvaneço agora o sorriso e as lágrimas
sou folha no vento, as mãos abandonadas
do lado de cá da vida
38.
parte comigo
só uma vez
toca-me no ombro
para um passeio de barco sem vento nem sol
num dia cinzento de Verão
chama-me no campo das oliveiras
e das pedras do rio manso
onde embarcámos um dia no silêncio da chuva
parte comigo
só uma vez
(de A mar te, Ulmeiro, 1984)
LENA d’ÁGUA
Nasceu em 1956 em Lisboa.
Uma das vozes com mais sucesso na explosão da nova música portuguesa no início dos anos 80, remeteu-se entretanto à discrição. Recentemente foi vista num programa de televisão pouco aconselhável.
7.
fio de trovoadas incandescentes na lã do trigo
beijando os pés de algodão neste tremor emba-
lante do âmago.
mar de cerejas penduradas num calmo torpor nú
de caracóis dourados nos dedos.
num êxtase de dois lagos profundos, sonho
na vertigem colorida da descolagem
dia felino, dia azul de princípio de mundo
explosão de nascer de sol posto sob o corpo
de um deus renascido da seiva
fervendo nas veias de uma árvore escondida
da cidade tumefacta.
Redescobrir constante de brando e cru chamamento
da mãe Terra na forma de uma carícia
transparentemente nascida na boca, sentida
nos dedos, amada nos cabelos da constelação
que tu és e ninguém sabe.
26.
depois saí para a chuva
sozinha e improvisada
corri perdia de amor
no corpo nos olhos
na noite esquecida de betão
e de mim
desvaneço agora o sorriso e as lágrimas
sou folha no vento, as mãos abandonadas
do lado de cá da vida
38.
parte comigo
só uma vez
toca-me no ombro
para um passeio de barco sem vento nem sol
num dia cinzento de Verão
chama-me no campo das oliveiras
e das pedras do rio manso
onde embarcámos um dia no silêncio da chuva
parte comigo
só uma vez
(de A mar te, Ulmeiro, 1984)
POESIA E BLOGS (II)
[porque é que eu não me espantei de ver um poema belíssimo, de um ilustríssimo poeta, dedicado a um dos Gatos Fedorentos??]
XOSÉ MARÍA ÁLVAREZ CÁCCAMO
E AGORA JOSÉ?
Para Ricardo Araújo Pereira
“...você que faz versos,
que ama, protesta,
e agora, José?”
Carlos Drummond de Andrade
Repousar agora
os olhos no botão
de luz do sol-pôr
E fica a ver cair
a tarde do sul
na profundeza do mar.
Dar atenção
ao sábio amor
da gente simples.
E saber estimular
essa ira do peito
contra a condição
do inocente terror
com que a lei possibilita o poder.
1998
(in Poesia em Lisboa 2000, Casa Fernando Pessoa e P.E.N. Clube Português, 2000 - Tradução de Virgílio Alberto Vieira)
[porque é que eu não me espantei de ver um poema belíssimo, de um ilustríssimo poeta, dedicado a um dos Gatos Fedorentos??]
XOSÉ MARÍA ÁLVAREZ CÁCCAMO
E AGORA JOSÉ?
Para Ricardo Araújo Pereira
“...você que faz versos,
que ama, protesta,
e agora, José?”
Carlos Drummond de Andrade
Repousar agora
os olhos no botão
de luz do sol-pôr
E fica a ver cair
a tarde do sul
na profundeza do mar.
Dar atenção
ao sábio amor
da gente simples.
E saber estimular
essa ira do peito
contra a condição
do inocente terror
com que a lei possibilita o poder.
1998
(in Poesia em Lisboa 2000, Casa Fernando Pessoa e P.E.N. Clube Português, 2000 - Tradução de Virgílio Alberto Vieira)
23.7.03
TERESA BALTÉ
O que mais surpreende em Teresa Balté é a aparente facilidade com que se apropria um simbolismo que pede ao leitor perante essa poesia tanta inteligência e sensibilidade quanto lhe possa dispensar mas que, mesmo sem esse esforço é sentido (pelo menos sentido!) pelo mais mediano dos leitores de Poesia. – José Blanc de Portugal
Nasceu em Lisboa em 1942. fez o liceu em Faro. Frequentou as universidades de Hamburgo e de Lisboa onde se licenciou em Germânicas. Começou a publicar em 1962. Tem traduções dispersas por várias antologias e revistas. Publicou, também, um ensaio sobre a obra do pintor, desenhador e ceramista alemão Hein Semke, que se radicou em Portugal, cujos desenhos são, aliás, presença habitual nos seus livros.
Seria muito bom que se prestasse mais atenção à sua poesia que tem evoluído de forma discreta, coerente e segura.
No horizonte aonde a seiva ascende
silenciosamente a melodia
saúda brahms na savana
ao ocaso a memória ainda abrasa
a fronte do intérprete
a resina o coração da árvore
gerador porventura órgão portátil
o vento nos abcessos
não irrompe arabescos candelabros
como alguém já designou os braços arcos
o infinito procurar dos laços.
(de Horizontes Portáteis, editorial Inova, 1977 – colecção coroa da terra)
ANJO I
Não o pombo futurista mas a sombra
no ângulo vazio a folha de hera
e as orquídeas brancas na garganta
a vertigem do grito o labirinto a lâmina
as aves que evoluem não regressam
devoraram o espaço onde existiam
assinalam agora outras galáxias
cicatrizes rosáceas
a asa é o recanto da memória
o vértice onde o corpo não pesou
agora só gorjeio a harpa morna
musgo nos olhos o anjo de granito
ANJO II
A ascensão da noite é a memória
o recanto da pomba partilhado
a asa de outra ânfora o regaço
onde os labirintos que te acordam
repousam sob o lago
o horizonte ausente não abriga
a dissonância viva de um limite
o espelho cego aguarda não existe
o nó que te sufoca e reanima
o regresso do rosto à superfície.
(de Metamorfoses, 1980 - colecção O Oiro do Dia)
a A.R.R.
entre as gaivotas ali onde a palavra
não é música nem voz articulada
só grito sem apelo o elemento
entre rochas e mar
onde o eco não ouvido te assinala
o coito o perigo o parto e o silêncio
o mais é nada – a morte – ou é tão pouco
aí procuras os limites do corpo
o teu significado
não dialogas aceitas o rigor do homem
dele partes
não escutas as mensagens elas param
no cerco dos sentidos
cristal ignoras o sismo que te abala
a raiva que te rasga
espelho devolves o sol que não te aquece
para além da superfície
emerges na aridez suposta de ti
o que não sabes
circulas no pulso todavia incorruptível
das substâncias
germinas em metáforas repousas em potências
proliferas
não nas metamorfoses na memória
das partes da viagem
porque esse delírio não tem vasos
jamais o ultrapassas
pássaro homem labareda
o grito não acaba
(de Mediações, Contexto editora, 1983)
POEMA
Quase não ouso escrever
já disse tudo
articulo a voz pelo caminho:
inspiro a manhã
cintilo ao vento
solto-me ao passar pelo mundo.
SINAL VERMELHO
o assomar da nuvem no céu claro
o avançar do carro
a desaparição
O
Dizer asa e labirinto
sem evocar mitos nem sinónimos
ou então chamar-lhes deus ou outro nome
ou calar-me nos tempos mais próximos.
PENUMBRA
Vimos da escuridão e somos luz
ou nascemos da luz e somos sombra?
VOO
É a finitude que enternece
Enverga as asas do corvo e da pomba
derrama no rio a tua dor
afaga a penugem da penumbra
(de Poemas dos Últimos Anos, publicações Dom Quixote, 1990 – colecção O Aprendiz de Feiticeiro)
O que mais surpreende em Teresa Balté é a aparente facilidade com que se apropria um simbolismo que pede ao leitor perante essa poesia tanta inteligência e sensibilidade quanto lhe possa dispensar mas que, mesmo sem esse esforço é sentido (pelo menos sentido!) pelo mais mediano dos leitores de Poesia. – José Blanc de Portugal
Nasceu em Lisboa em 1942. fez o liceu em Faro. Frequentou as universidades de Hamburgo e de Lisboa onde se licenciou em Germânicas. Começou a publicar em 1962. Tem traduções dispersas por várias antologias e revistas. Publicou, também, um ensaio sobre a obra do pintor, desenhador e ceramista alemão Hein Semke, que se radicou em Portugal, cujos desenhos são, aliás, presença habitual nos seus livros.
Seria muito bom que se prestasse mais atenção à sua poesia que tem evoluído de forma discreta, coerente e segura.
No horizonte aonde a seiva ascende
silenciosamente a melodia
saúda brahms na savana
ao ocaso a memória ainda abrasa
a fronte do intérprete
a resina o coração da árvore
gerador porventura órgão portátil
o vento nos abcessos
não irrompe arabescos candelabros
como alguém já designou os braços arcos
o infinito procurar dos laços.
(de Horizontes Portáteis, editorial Inova, 1977 – colecção coroa da terra)
ANJO I
Não o pombo futurista mas a sombra
no ângulo vazio a folha de hera
e as orquídeas brancas na garganta
a vertigem do grito o labirinto a lâmina
as aves que evoluem não regressam
devoraram o espaço onde existiam
assinalam agora outras galáxias
cicatrizes rosáceas
a asa é o recanto da memória
o vértice onde o corpo não pesou
agora só gorjeio a harpa morna
musgo nos olhos o anjo de granito
ANJO II
A ascensão da noite é a memória
o recanto da pomba partilhado
a asa de outra ânfora o regaço
onde os labirintos que te acordam
repousam sob o lago
o horizonte ausente não abriga
a dissonância viva de um limite
o espelho cego aguarda não existe
o nó que te sufoca e reanima
o regresso do rosto à superfície.
(de Metamorfoses, 1980 - colecção O Oiro do Dia)
a A.R.R.
entre as gaivotas ali onde a palavra
não é música nem voz articulada
só grito sem apelo o elemento
entre rochas e mar
onde o eco não ouvido te assinala
o coito o perigo o parto e o silêncio
o mais é nada – a morte – ou é tão pouco
aí procuras os limites do corpo
o teu significado
não dialogas aceitas o rigor do homem
dele partes
não escutas as mensagens elas param
no cerco dos sentidos
cristal ignoras o sismo que te abala
a raiva que te rasga
espelho devolves o sol que não te aquece
para além da superfície
emerges na aridez suposta de ti
o que não sabes
circulas no pulso todavia incorruptível
das substâncias
germinas em metáforas repousas em potências
proliferas
não nas metamorfoses na memória
das partes da viagem
porque esse delírio não tem vasos
jamais o ultrapassas
pássaro homem labareda
o grito não acaba
(de Mediações, Contexto editora, 1983)
POEMA
Quase não ouso escrever
já disse tudo
articulo a voz pelo caminho:
inspiro a manhã
cintilo ao vento
solto-me ao passar pelo mundo.
SINAL VERMELHO
o assomar da nuvem no céu claro
o avançar do carro
a desaparição
O
Dizer asa e labirinto
sem evocar mitos nem sinónimos
ou então chamar-lhes deus ou outro nome
ou calar-me nos tempos mais próximos.
PENUMBRA
Vimos da escuridão e somos luz
ou nascemos da luz e somos sombra?
VOO
É a finitude que enternece
Enverga as asas do corvo e da pomba
derrama no rio a tua dor
afaga a penugem da penumbra
(de Poemas dos Últimos Anos, publicações Dom Quixote, 1990 – colecção O Aprendiz de Feiticeiro)
Algum dia teria que ser: tornei-me fã absoluto de uns tipos mais novos que eu... (bem, um deles nasceu no mesmo ano que eu)
Os Mesa são uma banda fantástica! Acho que só mesmo ouvindo.
As letras são todas do João Pedro Coimbra, excepto uma que é da indizível Regina Guimarães (qualquer dia passo aqui umas coisas dela).
Para quem ainda não conhece ficam só umas letrinhas.
tinta invisível
panela de explosão
cai a tinta no coração
as estradas são os teus medos
a tua implosão...
tens a bossa fria
mesmo com a ginástica
enrolas as palavras
não convence a frase
com a mão no ombro
e de pés firmes olhas o pó
do oriente laranja
tens os sais à mão?
Dá-me como se eu fosse os teus
não há hora de zarpar
com a corrente atada aos ombros
lembras-me alguém ultrapassado?
um herói domesticado
sintoma branco
ataca o teu passado
é preciso terminar...
divagadora
sou uma divagadora, que se isola em partes, sempre
[à procura do receptor.
e persigo e persigo e persigo e persigo
sigo e somo aqui, dou e torno às vezes
e se não acordar alguém voltará a dar
segue o teu rumo mesmo sem avançar a tua inércia força o meu paladar
e se um dia eu sair do sofá será a fugir para o lado de lá
um truque lento usado para salvar tornou-se num beco
[de onde não podes escapar
é a realidade não é sabotagem; se não fores atrás ela não te será dada
é uma linha estreita
um movimento escorreito, com a jovem atracção fica tudo
[um pouco louco
realidade não será visionada na t.v.
e se não acordar alguém voltará a dar
Os Mesa são uma banda fantástica! Acho que só mesmo ouvindo.
As letras são todas do João Pedro Coimbra, excepto uma que é da indizível Regina Guimarães (qualquer dia passo aqui umas coisas dela).
Para quem ainda não conhece ficam só umas letrinhas.
tinta invisível
panela de explosão
cai a tinta no coração
as estradas são os teus medos
a tua implosão...
tens a bossa fria
mesmo com a ginástica
enrolas as palavras
não convence a frase
com a mão no ombro
e de pés firmes olhas o pó
do oriente laranja
tens os sais à mão?
Dá-me como se eu fosse os teus
não há hora de zarpar
com a corrente atada aos ombros
lembras-me alguém ultrapassado?
um herói domesticado
sintoma branco
ataca o teu passado
é preciso terminar...
divagadora
sou uma divagadora, que se isola em partes, sempre
[à procura do receptor.
e persigo e persigo e persigo e persigo
sigo e somo aqui, dou e torno às vezes
e se não acordar alguém voltará a dar
segue o teu rumo mesmo sem avançar a tua inércia força o meu paladar
e se um dia eu sair do sofá será a fugir para o lado de lá
um truque lento usado para salvar tornou-se num beco
[de onde não podes escapar
é a realidade não é sabotagem; se não fores atrás ela não te será dada
é uma linha estreita
um movimento escorreito, com a jovem atracção fica tudo
[um pouco louco
realidade não será visionada na t.v.
e se não acordar alguém voltará a dar
22.7.03
Respondendo ao desafio do Beco das Imagens, deixo aqui o que penso ir folhear durante as férias, no que toca a banda desenhada ou afins.
Vou sobretudo rever: a obra toda do António Jorge Gonçalves, sobretudo a Arte Suprema e o Senhor Abílio, não desfazendo nos dois álbuns do Filipe Seems, com argumento fantástico do fantástico Nuno Artur Silva; os seis episódios da primeira série da saga de John Defool e respectivo Incal; os dois volumes imprescindíveis de Maus; o que calhar do Hugo Pratt, do Moebius/Giroud e do Bilal; umas coisas fantásticas que apanhei nos saldos da Fnac, editadas pelo Musée de la Bande Dessinée: Florence Cestac e Robert Crumb; Battle Chassers do (semi-)português Joe Madureira; Diniz Conefrey a ler Herberto; as Crossroads de José Carlos Fernandes; talvez Tintin, talvez Spirou, talvez Astérix, talvez Louro & Simões, talvez Calvin & Hobbes, talvez Valérian & Laureline.
Mas vou também pegar em coisas que só agora apanhei: Pedro Brito, Richard Câmara, Marcos Farrajota e o colectivo Lisboa 24 Horas - todos da colecção Lx Comics da Bedeteca; O Artefacto Perverso de Felipe Hernández Cava e Federico del Barrio, editado pela Baleia Azul e, por fim, Águas Perigosas de D. David, C. Cuadra & R. Miel, a ver se por lá encontro o Abrupto Pacheco Pereira [explico: trata-se de uma história de promoção com que o Parlamento Europeu ganhou o prémio da Angoulême 2003 para a «campanha de comunicação que utilize como suporte a banda desenhada»].
Além disso vou continuar a olhar para as ilustrações dos livros e das revistas de poesia (e não só...), mas disso falarei daqui a uns dias.
Vou sobretudo rever: a obra toda do António Jorge Gonçalves, sobretudo a Arte Suprema e o Senhor Abílio, não desfazendo nos dois álbuns do Filipe Seems, com argumento fantástico do fantástico Nuno Artur Silva; os seis episódios da primeira série da saga de John Defool e respectivo Incal; os dois volumes imprescindíveis de Maus; o que calhar do Hugo Pratt, do Moebius/Giroud e do Bilal; umas coisas fantásticas que apanhei nos saldos da Fnac, editadas pelo Musée de la Bande Dessinée: Florence Cestac e Robert Crumb; Battle Chassers do (semi-)português Joe Madureira; Diniz Conefrey a ler Herberto; as Crossroads de José Carlos Fernandes; talvez Tintin, talvez Spirou, talvez Astérix, talvez Louro & Simões, talvez Calvin & Hobbes, talvez Valérian & Laureline.
Mas vou também pegar em coisas que só agora apanhei: Pedro Brito, Richard Câmara, Marcos Farrajota e o colectivo Lisboa 24 Horas - todos da colecção Lx Comics da Bedeteca; O Artefacto Perverso de Felipe Hernández Cava e Federico del Barrio, editado pela Baleia Azul e, por fim, Águas Perigosas de D. David, C. Cuadra & R. Miel, a ver se por lá encontro o Abrupto Pacheco Pereira [explico: trata-se de uma história de promoção com que o Parlamento Europeu ganhou o prémio da Angoulême 2003 para a «campanha de comunicação que utilize como suporte a banda desenhada»].
Além disso vou continuar a olhar para as ilustrações dos livros e das revistas de poesia (e não só...), mas disso falarei daqui a uns dias.
20.7.03
POESIA CHINESA (III)
YAO JINGMING
Nasceu em Pequim, em 1958.
Tem um mestrado em Literatura Portuguesa e é professor assistente da Universidade de Macau.
Já traduziu para chinês muitos poetas portugueses e co-organizou, em 1999, a Antologia de Poetas de Macau.
NÃO ME ACORDES
A noite deita-se comigo
na fenda do tempo
Os dedos do luar
penteando os cabelos do sonho
Oh, meu amor
podes passar pelo meu sonho
podes ficar no meu sonho
mas não me acordes
NA MINHA PÁTRIA
Na minha pátria
a porcelana tem dez mil formas
mas qualquer delas é tão frágil
como a incurável ferida
Na minha pátria
todas as sedas são pele de água
tecida pela morte do bicho da seda
no inumerável cair das folhas
Na minha pátria
quase todos têm ao peito um bule de chá
mas o chá tão milenar
mesmo em gesto de alquimia
nunca torna o tempo num reino tranquilo
A NOITE ACORDA DIFERENTE
A noite acorda diferente
na gramática da brisa
As pupilas suportam
a solidão solar
Com o vocabulário dos dedos
a mão fala com o vagar do ar
Seguro na estância tão clara
o corpo abre a porta mais serena
(in Poesia em Lisboa 2000, Casa Fernando Pessoa e P.E.N. Clube Português, 2000 - Tradução do Autor)
YAO JINGMING
Nasceu em Pequim, em 1958.
Tem um mestrado em Literatura Portuguesa e é professor assistente da Universidade de Macau.
Já traduziu para chinês muitos poetas portugueses e co-organizou, em 1999, a Antologia de Poetas de Macau.
NÃO ME ACORDES
A noite deita-se comigo
na fenda do tempo
Os dedos do luar
penteando os cabelos do sonho
Oh, meu amor
podes passar pelo meu sonho
podes ficar no meu sonho
mas não me acordes
NA MINHA PÁTRIA
Na minha pátria
a porcelana tem dez mil formas
mas qualquer delas é tão frágil
como a incurável ferida
Na minha pátria
todas as sedas são pele de água
tecida pela morte do bicho da seda
no inumerável cair das folhas
Na minha pátria
quase todos têm ao peito um bule de chá
mas o chá tão milenar
mesmo em gesto de alquimia
nunca torna o tempo num reino tranquilo
A NOITE ACORDA DIFERENTE
A noite acorda diferente
na gramática da brisa
As pupilas suportam
a solidão solar
Com o vocabulário dos dedos
a mão fala com o vagar do ar
Seguro na estância tão clara
o corpo abre a porta mais serena
(in Poesia em Lisboa 2000, Casa Fernando Pessoa e P.E.N. Clube Português, 2000 - Tradução do Autor)
POESIA CHINESA (II)
AUTOR DESCONHECIDO
Poemas datados da dinastia Cheu (1066-211 a.C.)
1.
Na delicada cor do lotus
há duas metades de sombra e claridade
pelas quais a água se imolou.
2.
Essas pombas que se alimentam mansamente
das mãos de uma pobre viúva
não são mais do que pobres pombas
arriscando a sua brancura.
3.
No último planeta do céu
um peixe nada até ao centro.
(in Os Herdeiros do Vento - Antologia Apócrifa, Litexa, 1984 - traduções de Joaquim Pessoa)
AUTOR DESCONHECIDO
Poemas datados da dinastia Cheu (1066-211 a.C.)
1.
Na delicada cor do lotus
há duas metades de sombra e claridade
pelas quais a água se imolou.
2.
Essas pombas que se alimentam mansamente
das mãos de uma pobre viúva
não são mais do que pobres pombas
arriscando a sua brancura.
3.
No último planeta do céu
um peixe nada até ao centro.
(in Os Herdeiros do Vento - Antologia Apócrifa, Litexa, 1984 - traduções de Joaquim Pessoa)
POESIA CHINESA (I)
HÁN YÚ
Nasceu em 768, na actual província de Héán.
Foi o grande líder do movimento literário da sua época.
Ferveroso confucionista, foi exilado em Cantão devido aos seus ensaios contra a doutrina budista, mas depois alcançou o lugar de ministro do exército.
Morreu em 824.
SOBRE OS CAVALOS
Só depois de ter existido Bó Lè é que começaram a surgir cavalos velozes. Têm existido incontáveis cavalos velozes, mas alguém como Bó Lè raramente existe. É essa a razão por que, embora nasçam muitos cavalos notáveis, eles nada recebem para além do desprezo dos servos, acabando por morrer nos estábulos sem terem sido considerados como cavalos velozes.
Os cavalos velozes conseguem ingerir grandes quantidades de painço numa só refeição, mas os tratadores não sabem alimentá-los de acordo com o seu apetite. Tais cavalos poderiam tornar-se muito velozes mas, como não comem o suficiente, as suas forças falham e as suas capacidades não desabrocham. Nem mesmo se lhes pode exigir que cheguem ao nível dos cavalos vulgares, quanto mais exigir que sejam especialmente velozes!
Conduzem-nos contrariando a sua maneira de ser, alimentam-nos em desacordo com o seu apetite e batem-lhes sem procurar compreender a sua vontade. Por fim, empunhando um chicote, aproximam-se e exclamam na sua frente: «não há cavalos valorosos no mundo!»
Será assim? Não haverá cavalos valorosos no mundo ou isso acontece apenas porque ninguém é capaz de os reconhecer?
(in O Rosto do Vento Leste - doze textos de prosa clássica chinesa, Assírio & Alvim, 1993 - tradução de Cláudia Ribeiro e Zhang Zhèng-Chun)
ESCRITO A CAMINHO DO EXÍLIO QUANDO CHEGUEI À PASSAGEM DE LANTIAN - E MOSTRADO AO MEU SOBRINHO XIANG
Um memorial, pela manhã, submetido aos nove degraus do céu.
À tardinha, banido pelo Chaozhou a oito mil li de distância!
Por causa do nosso sacro governante, queria eu afastar o mal;
Nunca pensei, velho corpo decrépito que sou, vir a lamentar
[os dias que me restam.
As nuvens pairam sobre a cordilheira de Qin
- Para que lado fica a minha casa?
A neve bloqueia a passagem de Lan,
Não avança o meu cavalo.
Tens uma razão, ao vires até tão longe comigo,
- Tem a bondade de tirar os meus ossos das margens do fétido rio.
[n. do trad.: "os 'nove degraus do céu' são o trono imperial"]
(in Uma Antologia de Poesia Chinesa, por Gil de Carvalho - Assírio & Alvim, 1989)
HÁN YÚ
Nasceu em 768, na actual província de Héán.
Foi o grande líder do movimento literário da sua época.
Ferveroso confucionista, foi exilado em Cantão devido aos seus ensaios contra a doutrina budista, mas depois alcançou o lugar de ministro do exército.
Morreu em 824.
SOBRE OS CAVALOS
Só depois de ter existido Bó Lè é que começaram a surgir cavalos velozes. Têm existido incontáveis cavalos velozes, mas alguém como Bó Lè raramente existe. É essa a razão por que, embora nasçam muitos cavalos notáveis, eles nada recebem para além do desprezo dos servos, acabando por morrer nos estábulos sem terem sido considerados como cavalos velozes.
Os cavalos velozes conseguem ingerir grandes quantidades de painço numa só refeição, mas os tratadores não sabem alimentá-los de acordo com o seu apetite. Tais cavalos poderiam tornar-se muito velozes mas, como não comem o suficiente, as suas forças falham e as suas capacidades não desabrocham. Nem mesmo se lhes pode exigir que cheguem ao nível dos cavalos vulgares, quanto mais exigir que sejam especialmente velozes!
Conduzem-nos contrariando a sua maneira de ser, alimentam-nos em desacordo com o seu apetite e batem-lhes sem procurar compreender a sua vontade. Por fim, empunhando um chicote, aproximam-se e exclamam na sua frente: «não há cavalos valorosos no mundo!»
Será assim? Não haverá cavalos valorosos no mundo ou isso acontece apenas porque ninguém é capaz de os reconhecer?
(in O Rosto do Vento Leste - doze textos de prosa clássica chinesa, Assírio & Alvim, 1993 - tradução de Cláudia Ribeiro e Zhang Zhèng-Chun)
ESCRITO A CAMINHO DO EXÍLIO QUANDO CHEGUEI À PASSAGEM DE LANTIAN - E MOSTRADO AO MEU SOBRINHO XIANG
Um memorial, pela manhã, submetido aos nove degraus do céu.
À tardinha, banido pelo Chaozhou a oito mil li de distância!
Por causa do nosso sacro governante, queria eu afastar o mal;
Nunca pensei, velho corpo decrépito que sou, vir a lamentar
[os dias que me restam.
As nuvens pairam sobre a cordilheira de Qin
- Para que lado fica a minha casa?
A neve bloqueia a passagem de Lan,
Não avança o meu cavalo.
Tens uma razão, ao vires até tão longe comigo,
- Tem a bondade de tirar os meus ossos das margens do fétido rio.
[n. do trad.: "os 'nove degraus do céu' são o trono imperial"]
(in Uma Antologia de Poesia Chinesa, por Gil de Carvalho - Assírio & Alvim, 1989)
[ainda não fui ver, porque não pude, nenhuma das encenações da Castro, nem sei se a peça virá cá a Lisboa. Mas o seu autor escreveu mais coisas que vale a pena ler]
ANTÓNIO FERREIRA
Nasceu em Lisboa, em 1528.
Estudou em Coimbra. Foi o primeiro grande poeta do Humanismo em Portugal. Toda a sua produção literária foi compilada com o título genérico de Poemas Lusitanos e abrange todos os géneros poéticos conhecidos dos humanistas, excepto a epopeia.
Morreu, também em Lisboa, em 1569.
Apenas no ano 2000 foi publicada, pela Fundação Gulbenkian, uma edição crítica da sua obra, da responsabilidade de T. F. Earle, Professor de estudos portugueses em Oxford.
Ó olhos, donde Amor suas frechas tira
contra mim, cuja luz m'espanta e cega;
ó olhos, onde Amor s'esconde, e prega
as almas e, em pregando-as, se retira!
Ó olhos, onde Amor inspira,
e amor promete a todos, e amor nega;
ó olhos, onde Amor tão bem s'emprega
por quem tão bem se chora, e se suspira!
Ó olhos, cujo fogo a neve fria
acende e queima; ó olhos poderosos
de dar à noite luz, e vida à morte!
Olhos por quem mais claro nasce o dia,
por quem são os meus olhos tão ditosos,
que de chorar por vós lhes coube em sorte.
[Epitáfio] A el-Rei D. Dinis
Quem é este de insígnias diferentes,
cetro, e picão, e livro, e espada, e arado?
Este foi paz de reis, e amor das gentes,
grande Dinis, rei nunca assaz louvado.
Outros foram nua só cousa excelentes,
este com todas nobreceu seu estado:
regeu, edificou, lavrou, venceu,
honrou as Musas, poetou, e leu.
[Ode] Aos Reis cristãos
Onde, assi cruéis
correis tão furiosos,
não contra os infiéis
bárbaros poderosos,
turcos de nossos roubos gloriosos?
Não pera a mal perdida
cabeça do Oriente
nos ser restituída
tão pia e cristãmente,
roubo a vós feio, e rico à turca gente;
não pera a Casa Santa,
Santa Terra pisada
dos infiéis com tanta
afronta vossa, armada
a mão vos vejo, nem bandeira alçada;
nem pera em fogo arder
desd'o chão té às ameias
Meca, e Cairo, e se ver
trazido em mil cadeias
em triunfo o seu Rei com nossas preias.
Ah, cegos, contra vós
vos leva cruel furor!
Ah, que fartando em nós
e em vosso sangue o ardor
que o imigo tem, fazei-lo vencedor.
Vós armas, vós lhe dais
ao covarde ousadia.
Enquanto vos matais,
eis Rodes, eis Hungria
em sangue, em fogo, em nova tirania.
Paz santa, dos céus dada
por vida só, e bem nosso,
como tão desprezada
desse injusto ódio vosso,
Reis cristão, é? Cruéis chamar-vos posso.
Nunca se viu fereza
a esta que usais igual,
armados de crueza.
Um ao outro animal
da mesma natureza não faz mal.
Tornai, tornai, ó Reis,
à paz; tende-vos ora;
olhai-vos, e vereis
com quanta razão chora
a Cristandade a paz, que lançais fora.
ANTÓNIO FERREIRA
Nasceu em Lisboa, em 1528.
Estudou em Coimbra. Foi o primeiro grande poeta do Humanismo em Portugal. Toda a sua produção literária foi compilada com o título genérico de Poemas Lusitanos e abrange todos os géneros poéticos conhecidos dos humanistas, excepto a epopeia.
Morreu, também em Lisboa, em 1569.
Apenas no ano 2000 foi publicada, pela Fundação Gulbenkian, uma edição crítica da sua obra, da responsabilidade de T. F. Earle, Professor de estudos portugueses em Oxford.
Ó olhos, donde Amor suas frechas tira
contra mim, cuja luz m'espanta e cega;
ó olhos, onde Amor s'esconde, e prega
as almas e, em pregando-as, se retira!
Ó olhos, onde Amor inspira,
e amor promete a todos, e amor nega;
ó olhos, onde Amor tão bem s'emprega
por quem tão bem se chora, e se suspira!
Ó olhos, cujo fogo a neve fria
acende e queima; ó olhos poderosos
de dar à noite luz, e vida à morte!
Olhos por quem mais claro nasce o dia,
por quem são os meus olhos tão ditosos,
que de chorar por vós lhes coube em sorte.
[Epitáfio] A el-Rei D. Dinis
Quem é este de insígnias diferentes,
cetro, e picão, e livro, e espada, e arado?
Este foi paz de reis, e amor das gentes,
grande Dinis, rei nunca assaz louvado.
Outros foram nua só cousa excelentes,
este com todas nobreceu seu estado:
regeu, edificou, lavrou, venceu,
honrou as Musas, poetou, e leu.
[Ode] Aos Reis cristãos
Onde, assi cruéis
correis tão furiosos,
não contra os infiéis
bárbaros poderosos,
turcos de nossos roubos gloriosos?
Não pera a mal perdida
cabeça do Oriente
nos ser restituída
tão pia e cristãmente,
roubo a vós feio, e rico à turca gente;
não pera a Casa Santa,
Santa Terra pisada
dos infiéis com tanta
afronta vossa, armada
a mão vos vejo, nem bandeira alçada;
nem pera em fogo arder
desd'o chão té às ameias
Meca, e Cairo, e se ver
trazido em mil cadeias
em triunfo o seu Rei com nossas preias.
Ah, cegos, contra vós
vos leva cruel furor!
Ah, que fartando em nós
e em vosso sangue o ardor
que o imigo tem, fazei-lo vencedor.
Vós armas, vós lhe dais
ao covarde ousadia.
Enquanto vos matais,
eis Rodes, eis Hungria
em sangue, em fogo, em nova tirania.
Paz santa, dos céus dada
por vida só, e bem nosso,
como tão desprezada
desse injusto ódio vosso,
Reis cristão, é? Cruéis chamar-vos posso.
Nunca se viu fereza
a esta que usais igual,
armados de crueza.
Um ao outro animal
da mesma natureza não faz mal.
Tornai, tornai, ó Reis,
à paz; tende-vos ora;
olhai-vos, e vereis
com quanta razão chora
a Cristandade a paz, que lançais fora.
VANITAS VANITATIS
Acordo, venho ver o contador (Narciso vem sempre agarrado a ele) e fico abismado.
Bem, o Zulu das Meias Altas é meu amigo pessoal e foi logo o primeiro a linkar-me quando comecei;
depois foi Francisco José Viegas a quem me atrevi a fazer-me anunciar;
o mesmo com Manuel Alberto Valente, que me elogiou (acho que vou cumprir a "ameaça" de publicar coisas antigas dele - é preciso relembrar a poesia que alia o combate aos afectos!);
o Beco das Imagens fez também o favor de me anunciar agradecendo uma preciosa informação que lhes dei;
Anteontem dei com o meu link no Almocreve das Petas e no Entre Pedras.
Hoje, recebo uma elogiosa mensagem do Reflexos de Azul Eléctrico (que ainda deve estar com dificuldades técnicas, mas que diz coisas interessantes) e vejo-me (simpaticamente) roubado pela Esquina do Rio e recomendado pelo Dicionário do Diabo.
O facto é que são todos blogues muito bons!!
Alguém poderá achar piroso, mas gosto que gostem de mim.
Acordo, venho ver o contador (Narciso vem sempre agarrado a ele) e fico abismado.
Bem, o Zulu das Meias Altas é meu amigo pessoal e foi logo o primeiro a linkar-me quando comecei;
depois foi Francisco José Viegas a quem me atrevi a fazer-me anunciar;
o mesmo com Manuel Alberto Valente, que me elogiou (acho que vou cumprir a "ameaça" de publicar coisas antigas dele - é preciso relembrar a poesia que alia o combate aos afectos!);
o Beco das Imagens fez também o favor de me anunciar agradecendo uma preciosa informação que lhes dei;
Anteontem dei com o meu link no Almocreve das Petas e no Entre Pedras.
Hoje, recebo uma elogiosa mensagem do Reflexos de Azul Eléctrico (que ainda deve estar com dificuldades técnicas, mas que diz coisas interessantes) e vejo-me (simpaticamente) roubado pela Esquina do Rio e recomendado pelo Dicionário do Diabo.
O facto é que são todos blogues muito bons!!
Alguém poderá achar piroso, mas gosto que gostem de mim.
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