VÍTOR NOGUEIRA
CLICHÉ
Não é que seja o momento para trocar
cartões-de-visita. José Maria da Silva,
fotógrafo profissional com estúdio em Lisboa,
tem por hábito mudar-se para a vila da Ericeira
na época balnear. Ainda está por aqui
no dia 5 de Outubro. Um notável testemunho
(gelatina e sais de prata, memória pronta e fiel)
que, com sorte, há-de chegar à Ilustração
Portuguesa. Além disso, uma kodak não tropeça
em estrangeirismos, ornatos de saber clássico,
no jeito francês da frase, nos defeitos da sintaxe.
José Maria da Silva, fotógrafo profissional,
passa o resto da tarde com um nervoso
miudinho. Até revelar as chapas. Olhem bem
para estas caras, estas formas do passado. Nada mais
para seres humanos. Pode dizer-se que sim.
HORIZONTE
O iate real segue o fio do horizonte,
essa linha escorregadia ao dispor dos que se atrevem.
E de novo a Ericeira fica à espera do crepúsculo.
Antigos embarcadiços podem agora sentar-se
nos bancos de pedra que rodeiam a capela, espraiam
a vista saudosa pela vastidão do mar.
O mar, sempre o mar. Acontece que somos bons
nisso: lágrimas e suspiros, coisas que brilham
no escuro e dependem dos ventos dominantes,
indícios levados pelas águas. Senhoras e senhores
fantasmas, o museu está oficialmente fechado.
Afastem-se do meu jantar.
(de Quem diremos nós que viva?, Edições Averno, 2010)
CLICHÉ
Não é que seja o momento para trocar
cartões-de-visita. José Maria da Silva,
fotógrafo profissional com estúdio em Lisboa,
tem por hábito mudar-se para a vila da Ericeira
na época balnear. Ainda está por aqui
no dia 5 de Outubro. Um notável testemunho
(gelatina e sais de prata, memória pronta e fiel)
que, com sorte, há-de chegar à Ilustração
Portuguesa. Além disso, uma kodak não tropeça
em estrangeirismos, ornatos de saber clássico,
no jeito francês da frase, nos defeitos da sintaxe.
José Maria da Silva, fotógrafo profissional,
passa o resto da tarde com um nervoso
miudinho. Até revelar as chapas. Olhem bem
para estas caras, estas formas do passado. Nada mais
para seres humanos. Pode dizer-se que sim.
HORIZONTE
O iate real segue o fio do horizonte,
essa linha escorregadia ao dispor dos que se atrevem.
E de novo a Ericeira fica à espera do crepúsculo.
Antigos embarcadiços podem agora sentar-se
nos bancos de pedra que rodeiam a capela, espraiam
a vista saudosa pela vastidão do mar.
O mar, sempre o mar. Acontece que somos bons
nisso: lágrimas e suspiros, coisas que brilham
no escuro e dependem dos ventos dominantes,
indícios levados pelas águas. Senhoras e senhores
fantasmas, o museu está oficialmente fechado.
Afastem-se do meu jantar.
(de Quem diremos nós que viva?, Edições Averno, 2010)