18.7.08

[da série eu gosto é de letrinhas pequenas entre parêntesis ou dá cá Leiria que eu te dou Moura]



NUNO MOURA

1


é de origem entronca e de pais separos
e teve mais de noventa mil pessoas delirias
no estádio das antas para o lançamento
do seu último livro de poesia.

seguiu em turné por Paranhos Bessa
e depois são luis pelo sul
tendo uma andança de três ponto um milhões
só em vendas estádias.

somando a viagem recitária
as exportações para o resto do mundo
e o residual fotocópio
totobola para cima de quinze ponto sete milhões
de livros.

só em receitas publicitárias com a telecele pêtê cêpê
renô náique sequipe e ibêéle
fala-se de valores na casa dos champálimôs.

portugal é um país de poetas ricos.

a poesia dá dinheiro a portugal.

(de Nova Asmática Portuguesa, Mariposa Azual, 1998 – em itálico no original)

16.7.08

PABLO NERUDA

XVI


Eis a árvore aqui na pura pedra,
na evidencia, na dura formosura
por cem milhões de anos construída.

Ágata e cornalina e luminária
substituíram seivas e madeira
até que o tronco do gigante
recusou a molhada podridão
e moldou uma estatua paralela:
a folhagem vivente
se desfez
e quando o vertical foi derrubado,
queimado o bosque, a ígnea poeirada,
a celestial cinza o envolveu
até que tempo e lava lhe outorgaram
um galardão de pedra transparente.

(tradução de António Manuel Couto Viana, in Por Outras Palavras, Vega, 1997 - original de Las piedras del cielo, 1970)
JOAQUIM PESSOA

Há uma loucura pobre,
essa que se esmaga apenas no
desejo, a mais impenetrável, a
mais harmoniosa. Essa é
a loucura mais próxima
do segredo das árvores, dos
enigmas, do corpo. um
lúcido delírio, dor
inicial.

(de Por Outras Palavras, Litexa, 1990)
PAULO CASTILHO

No fim ficam os livros. De mim nunca ninguém saberá nada porque a escrita é um disfarce. Um labirinto de pistas falsas ao lado de verdadeiras. Eu próprio acabo por não saber o que realmente se passou e o que inventei. Foi uma das primeiras coisas que nele notei: a propensão para dizer frases destas. Como um sino anunciam coisas. Como o nome.

(de Por Outras Palavras, Contexto editora, 2000)

15.7.08




[a propósito
disto e disto – e basta ir à base de dados da Biblioteca Nacional para perceber que há montes de livros com nomes iguais a outros livros]

ANTÓNIO MANUEL COUTO VIANA

EXPLICAÇÃO NECESSÁRIA


O meu livro As (E)vocações Literárias, dado à estampa em 1980, incluía, pela primeira vez, nas obras a editar, um volume de traduções de poesia, sob o título Por Outras Palavras.
Os livros que se lhe seguiram (doze de poesia e três de estudos e memórias) mencionavam, também, esse conjunto de traduções, na bibliografia dos inéditos, conservando o mesmo nome, que me pareceu original e adequado (opinião partilhada por David Mourão-Ferreira).
No texto que me é dedicado, na Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura (Verbo), ele figura na lista dos meus livros a aparecer.
Todavia, em 1990, o poeta Joaquim Pessoa, talvez ignorando os, até então, dez anos de divulgação de tal título, resolve publicar um volume de poesia a que chamou, precisamente, Por Outras Palavras!
E, do mesmo modo, procede Ivone de Moura, tempos depois, atribuindo idêntico nome a um trabalho didáctico da sua autoria.
Devo confessar que nenhum dos dois livros mencionados, quanto a mim, merece assim intitular-se.
Creio que somente este meu tem o direito de nomear-se Por Outras Palavras.
E já não me refiro ao argumento (sério) da antiguidade; aos quinze anos em que o fui anunciando.
Mas porque, realmente, traduzir Poesia é interpretar, por outras palavras, de determinada língua, os pensamentos, os sentimentos, servidos pelo ritmo, a métrica, a rima, que foram transmitidos por uma inspiração em língua alheia.
Daí que, embora estranhando as coincidências (que não vou classificar de plágios), mantenha o meu título na presente obra.
[…]

(in Por Outras Palavras, Vega, 1997)

[...entretanto, em 2000, foi publicado um romance também intitulado Por Outras Palavras, da autoria da Paulo Castilho, Autor da particular preferência da Autora que acaba de publicar um livro com o mesmo título de um outro de Joaquim Pessoa]



13.7.08

[a propósito de uma carta datada de há 50 anos]

[Porto, Agosto de 2007]


SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN

D. António Ferreira Gomes


Na cidade do Porto há muito granito
Entre névoas sombras e cintilações
A cidade parece firme e inexpugnável
E sólida – mas habitada
Por súbitos clarões de profecia
Junto ao rio em cujo verde se espelham as visões
Assim quando eu entrava no Paço do Bispo
E passava a mão sobre a pedra rugosa
O paço me parecia fortaleza
Porém a fortaleza não era
Os grossos muros de pedra caiada
Nem os limites de pedra nem a escada
De largos degraus rugosos de granito
Nem o peso frio que das coisas inertes emanava
Fortaleza era o homem – o Bispo –
Alto e direito firme como torre
Ao fundo da grande sala clara: fortaleza
De sabedoria e sapiência
De compaixão e justiça
De inteligência a tudo atenta
E na face austera por vezes ao de leve o sorriso
Inconsútil da antiga infância.

(não incluído em nenhum livro – publicado em vários locais; por exemplo aqui)