[outros melros LXXI]
LUÍS FILIPE PARRADO
UM MELRO NO TEMPO
Negro, anónimo, bravio,
demora-se por uns segundos apenas
(em voo é mais difícil de captar)
Na cerca de ferro forjado
Do jardim público.
Eu escuto-o, fico em suspenso. E confesso
que, lidos os mapas astrais
e os melhores tratados
de ornitologia,
continuo às cegas,
sem compreender porque me comove
tanto este assobio dilacerante.
Consegues ouvi-lo?
Sim. Canta como se tudo estivesse
no seu lugar, como se este
fosse o primeiro de todos os dias do mundo,
como se nada de mal nunca nos pudesse acontecer.
(in «Nervo – colectivo de poesia» / 4, Janeiro/Abril 2019)