[Pretendo continuar #7. Morada nova, mas já agora completa-se a novena.]
SEAMUS HEANEY
RAPARIGAS NO BANHO, GALWAY, 1965
Bóiam na espuma da ondulação, avançam
em roda catarina, braços, mãos;
nítidas como bolas, as cabeças balançam.
Aqui na praia os guinchos ficam vãos.
Nenhuma Vénus foi milagre estranho
de lácteos membros na costa ocidental.
Uma rainha pirata em fato de banho
é o nosso mito forte. As ondas por sinal
vazam umas nas outras e cada ano adeja
invisível pelo espaço a viajar.
Onde as cristas se desfraldam como espuma de cerveja
a roupa da rainha já se desfez no mar.
E gerações que têm suspirado
nos renques de sal onde a onda explodiu
vivem no medo da carne e do pecado
porque o tempo se cumpriu,
como onde há pé nos seus trajes sucintos,
pernas nuas, ombros suaves, costas em maré-viva,
chapinham até à praia, aos pulos, dando gritos.
E Vénus vem assim, objectiva.
(de Antologia Poética, selecção e tradução de Vasco Graça Moura, Campo das Letras, 1998 – original de Door into the Dark, 1969)
16.2.08
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Seamus Heaney
15.2.08
[Pretendo continuar #6. Morada nova, mas já agora completa-se a novena.]
JOSÉ SARAMAGO
Estudo de nu
Essa linha que nasce nos teus ombros,
Que se prolonga em braço, depois mão,
Esses círculos tangentes, geminados,
Cujo centro em cones se resolve,
Agudamente erguidos para os lábios
Que dos teus se desprenderam, ansiosos.
Essas duas parábolas que te apertam
No quebrar onduloso da cintura,
As calipígias ciclóides sobrepostas
Ao risco das colunas invertidas:
Tépidas coxas de linhas envolventes,
Contornada espiral que não se extingue.
Essa curva quase nada que desenha
No teu ventre um arco repousado,
Esse triangulo de treva cintilante,
Caminho e selo da porta do teu corpo,
Onde o estudo de nu que vou fazendo
Se transforma no quadro terminado.
(de Os Poemas Possíveis, 1966)
JOSÉ SARAMAGO
Estudo de nu
Essa linha que nasce nos teus ombros,
Que se prolonga em braço, depois mão,
Esses círculos tangentes, geminados,
Cujo centro em cones se resolve,
Agudamente erguidos para os lábios
Que dos teus se desprenderam, ansiosos.
Essas duas parábolas que te apertam
No quebrar onduloso da cintura,
As calipígias ciclóides sobrepostas
Ao risco das colunas invertidas:
Tépidas coxas de linhas envolventes,
Contornada espiral que não se extingue.
Essa curva quase nada que desenha
No teu ventre um arco repousado,
Esse triangulo de treva cintilante,
Caminho e selo da porta do teu corpo,
Onde o estudo de nu que vou fazendo
Se transforma no quadro terminado.
(de Os Poemas Possíveis, 1966)
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14.2.08
[Pretendo continuar #5. Morada nova, mas já agora completa-se a novena.]
IBN 'AMMÂR AL-ANDALUSÎ
Evocação de uma beldade
porque terá a rola de chorar
ao sorrir da leve boca da manhã?
ela canta e bebe em seu afã
lágrimas de um coração a palpitar.
uma moça que a formosura visitou
ser a própria beleza acreditou
ou então sua amiga e companheira.
pelo olhar, é corça amedrontada
e, pelo colo, gazela intimidada
no deserto, de insólita maneira.
seu dorso, c'o salgueiro parecido,
é fonte de desejo ataviada
é canto de rola dolorido.
a boca é flor branca assediada
pelo rubro escuro dos seus lábios.
não a provar é falta condenada
por aqueles todos que são sábios.
traz-me tão inquieto esta donzela (...)
de olhar fatal! é tão frágil ela
como caule das folhas despojado.
a página do seu rosto delicado
vai alterada em terno vestido
que de rosas e chamas é urdido.
é aí que suas mechas de cabelo,
como escorpiões em atropelo,
são vistas pelos olhos do amante.
a brisa quis o sopro: num instante
no vento sul vogaram docemente
até à flama de um desejo ardente.
(tradução de Adalberto Alves, in Ibn 'Ammâr al-Andalusî – o drama de um poeta, Assírio & Alvim, 2000)
IBN 'AMMÂR AL-ANDALUSÎ
Evocação de uma beldade
porque terá a rola de chorar
ao sorrir da leve boca da manhã?
ela canta e bebe em seu afã
lágrimas de um coração a palpitar.
uma moça que a formosura visitou
ser a própria beleza acreditou
ou então sua amiga e companheira.
pelo olhar, é corça amedrontada
e, pelo colo, gazela intimidada
no deserto, de insólita maneira.
seu dorso, c'o salgueiro parecido,
é fonte de desejo ataviada
é canto de rola dolorido.
a boca é flor branca assediada
pelo rubro escuro dos seus lábios.
não a provar é falta condenada
por aqueles todos que são sábios.
traz-me tão inquieto esta donzela (...)
de olhar fatal! é tão frágil ela
como caule das folhas despojado.
a página do seu rosto delicado
vai alterada em terno vestido
que de rosas e chamas é urdido.
é aí que suas mechas de cabelo,
como escorpiões em atropelo,
são vistas pelos olhos do amante.
a brisa quis o sopro: num instante
no vento sul vogaram docemente
até à flama de um desejo ardente.
(tradução de Adalberto Alves, in Ibn 'Ammâr al-Andalusî – o drama de um poeta, Assírio & Alvim, 2000)
13.2.08
[Pretendo continuar #4. Novena de desagravo.]
JOÃO CABRAL DE MELO NETO
UMA MULHER E O BEBERIBE
Ela se imove com o andamento da água
(indecisa entre ser tempo ou espaço)
daqueles rios do litoral do Nordeste
que os geógrafos chamam «rios fracos».
Lânguidos; que se deixam pelo mangue
a um banco de areia do mar de chegada;
vegetais; de água espaço e sem tempo
(sem o cabo por que o tempo a arrasta).
*
Ao rio Beberibe, quando rio adolescente
(precipitadamente tempo, não espaço),
nada lhe pára os pés; se rio maduro,
ele assume um andamento mais andado.
Adulto no mangue, imita o imovimento
que há pouco imitara dele uma mulher:
indolente, de água espaço e sem tempo
(fora o do cio e da prenhez da maré).
(de A Educação pela Pedra, 1962-65)
JOÃO CABRAL DE MELO NETO
UMA MULHER E O BEBERIBE
Ela se imove com o andamento da água
(indecisa entre ser tempo ou espaço)
daqueles rios do litoral do Nordeste
que os geógrafos chamam «rios fracos».
Lânguidos; que se deixam pelo mangue
a um banco de areia do mar de chegada;
vegetais; de água espaço e sem tempo
(sem o cabo por que o tempo a arrasta).
*
Ao rio Beberibe, quando rio adolescente
(precipitadamente tempo, não espaço),
nada lhe pára os pés; se rio maduro,
ele assume um andamento mais andado.
Adulto no mangue, imita o imovimento
que há pouco imitara dele uma mulher:
indolente, de água espaço e sem tempo
(fora o do cio e da prenhez da maré).
(de A Educação pela Pedra, 1962-65)
12.2.08
Hoje, às 18 horas, no Salão Nobre da Universidade Aberta (Rua da Escola Politécnica, 147, Lisboa), será apresentado (por Teresa Joaquim e Anabela Galhardo Couto) o livro A Neo-Penélope, o mais recente de Ana Hatherly, por ocasião do encerramento do mestrado de estudos de temática feminina, leccionado por esta poeta-pintora.
Quanto a mim, este é um livro que ultrapassa em ousadia tudo o que se vai fazendo na poesia actual. Um livro surpreendente, sobretudo tendo em conta que a Autora está à beira de comemorar os 50 anos do seu primeiro livro. Um livro de rotura, como toda a restante obra desta Mulher que sempre se sustentou na Tradição para se colocar na vanguarda.
[Pretendo continuar #3. Novena de desagravo.]
GOETHE
V
Amantes piedosos somos, em silêncio veneramos todos os demónios,
Desejamos cada deus, cada deusa como amigos.
E assim nos assemelhamos a vós, ó Romanos triunfadores!,
Que aos Deuses de todo o mundo ofereceis domicílio –
Esculpidos pelo Egípcio em escuro e sóbrio granito
Ou pelo Grego em mármore branco e gracioso.
Mas não se zanguem os Eternos se vertemos
O precioso incenso a uma das Divinas em especial.
Sim, confessamos oferecer as nossas preces
E o nosso rito diário em particular a uma delas.
Jocosos, alegres e dedicados, celebramos secretas festas
E o silêncio convém a todos os iniciados.
Antes desafiar de perto as Erínias com feitos medonhos,
Antes arriscar sofrer o duro julgamento
De Zeus, as suas rodas e rochedos,
Do que privar o nosso espírito do rito delicioso.
Ocasião se chama deusa! Conhecei-a,
E amiúde vos surgirá ela com variadas feições.
Podia ser filha de Proteu, gerada por Tétis,
Cuja astúcia muitos heróis enganou.
Assim engana agora a filha o inexperiente e o tímido,
Troça do sonolento, esquiva-se ao vigilante.
Com prazer se entrega ao ousado,
Que a encontra mansa, brincalhona, terna e dedicada.
Certa vez também a mim apareceu: Uma rapariga morena,
Cabelos longos e escuros cobriam-lhe a testa,
Pequenos caracóis o gracioso pescoço
E as madeixas soltavam-se frisadas na nuca.
Não a ignorei, agarrei a fugitiva, e docilmente
Logo ela me devolveu o terno beijo e o abraço.
Oh, como me senti feliz! Mas silêncio, o tempo passou,
Agora sois vós, loiras tranças, que como correias romanas me prendeis.
(de Erotica romana, tradução de Manuel Malzbender, Cavalo de Ferro editores, 2005)
GOETHE
V
Amantes piedosos somos, em silêncio veneramos todos os demónios,
Desejamos cada deus, cada deusa como amigos.
E assim nos assemelhamos a vós, ó Romanos triunfadores!,
Que aos Deuses de todo o mundo ofereceis domicílio –
Esculpidos pelo Egípcio em escuro e sóbrio granito
Ou pelo Grego em mármore branco e gracioso.
Mas não se zanguem os Eternos se vertemos
O precioso incenso a uma das Divinas em especial.
Sim, confessamos oferecer as nossas preces
E o nosso rito diário em particular a uma delas.
Jocosos, alegres e dedicados, celebramos secretas festas
E o silêncio convém a todos os iniciados.
Antes desafiar de perto as Erínias com feitos medonhos,
Antes arriscar sofrer o duro julgamento
De Zeus, as suas rodas e rochedos,
Do que privar o nosso espírito do rito delicioso.
Ocasião se chama deusa! Conhecei-a,
E amiúde vos surgirá ela com variadas feições.
Podia ser filha de Proteu, gerada por Tétis,
Cuja astúcia muitos heróis enganou.
Assim engana agora a filha o inexperiente e o tímido,
Troça do sonolento, esquiva-se ao vigilante.
Com prazer se entrega ao ousado,
Que a encontra mansa, brincalhona, terna e dedicada.
Certa vez também a mim apareceu: Uma rapariga morena,
Cabelos longos e escuros cobriam-lhe a testa,
Pequenos caracóis o gracioso pescoço
E as madeixas soltavam-se frisadas na nuca.
Não a ignorei, agarrei a fugitiva, e docilmente
Logo ela me devolveu o terno beijo e o abraço.
Oh, como me senti feliz! Mas silêncio, o tempo passou,
Agora sois vós, loiras tranças, que como correias romanas me prendeis.
(de Erotica romana, tradução de Manuel Malzbender, Cavalo de Ferro editores, 2005)
11.2.08
[Pretendo continuar #2. Novena de desagravo.]
DAVID MOURÃO-FERREIRA
XIII
Assim que te despes
as próprias cortinas
ficam boquiabertas
sobre a luz do dia
Os teus olhos pedem
mas a boca exige
que te inunde as pernas
toda a luz do dia
Até o teu sexo
que negro cintila
mais e mais desperta
para a luz do dia
E a noite percebe
ao ver-te despida
o grande mistério
que há na luz do dia
(de O Corpo Iluminado, 1987)
DAVID MOURÃO-FERREIRA
XIII
Assim que te despes
as próprias cortinas
ficam boquiabertas
sobre a luz do dia
Os teus olhos pedem
mas a boca exige
que te inunde as pernas
toda a luz do dia
Até o teu sexo
que negro cintila
mais e mais desperta
para a luz do dia
E a noite percebe
ao ver-te despida
o grande mistério
que há na luz do dia
(de O Corpo Iluminado, 1987)
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10.2.08
[Pretendo continuar #1.
O Blogger limitou o acesso ao “E Deus criou a Mulher”, do Miguel Marujo (com SirHaiva). Em jeito de homenagem e solidariedade, inicia-se aqui uma novena de desagravo.]
RONSARD
Pequeno umbigo, meu pensar te adora
Pequeno umbigo, meu pensar te adora,
meu olho não, que nunca houve esse bem,
umbigo que és de quem merece bem
que grã cidade lhe ergam aí fora:
Sinal divino, em que divino mora
o andrógino laço e o retém,
quanto a ti, ó meu bem, quanto também
ledo a teus gémeos flancos honro agora.
Nem a bela cabeça, olhos ou fronte,
nem doce riso, ou mão que faz em fonte
meu coração e em choros me traz ganho,
me podiam, tão belas, contentar
sem esperança um dia de apalpar
teu paraíso onde o prazer amanho.
(tradução de Vasco Graça Moura, in Alguns Amores de Ronsard, Bertrand editora, 2003)
O Blogger limitou o acesso ao “E Deus criou a Mulher”, do Miguel Marujo (com SirHaiva). Em jeito de homenagem e solidariedade, inicia-se aqui uma novena de desagravo.]
RONSARD
Pequeno umbigo, meu pensar te adora
Pequeno umbigo, meu pensar te adora,
meu olho não, que nunca houve esse bem,
umbigo que és de quem merece bem
que grã cidade lhe ergam aí fora:
Sinal divino, em que divino mora
o andrógino laço e o retém,
quanto a ti, ó meu bem, quanto também
ledo a teus gémeos flancos honro agora.
Nem a bela cabeça, olhos ou fronte,
nem doce riso, ou mão que faz em fonte
meu coração e em choros me traz ganho,
me podiam, tão belas, contentar
sem esperança um dia de apalpar
teu paraíso onde o prazer amanho.
(tradução de Vasco Graça Moura, in Alguns Amores de Ronsard, Bertrand editora, 2003)
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