ORHAN PAMUK
Há muitas coisas que me incomodam na maneira de viver dos
meus confrades, incapazes de conviver sem rivalizarem em boatos, e no ambiente
deste lugar, que é de uma alegria suspeita. Para evitar que eles me achem
arrogante e me agridam, fiz também um ou dois desenhos para o satírico, mas não
penso que isso baste para lhes acalmar a inveja a meu respeito.
Deve dizer-se que eles têm motivos para serem invejosos: para
a mistura das tintas, as molduras e as margens traçadas à régua, para a composição
da página e para a escolha do tema, para o desenho dos rostos ou o arranjo das
cenas de multidão na guerra ou na caça, para a pintura de animais, de reis, de
navios e de cavalos, de guerreiros ou apaixonados, para reproduzir numa imagem
toda a alma da poesia, e mesmo para as iluminuras, não tenho rival. Não vos
digo isto para me gabar, mas só para que me compreendais. Com o tempo, a inveja
dos rivais torna-se para um grande pintor um instrumento tão necessário e indispensável
como a paleta.
(excerto do 4.º capítulo de O Meu Nome é Vermelho,
tradução de Filipe Guerra, Editorial Presença, 2007)