27.8.04

[para a R.]

EDUARDO WHITE

É ou não é verdade
que a carinhosa maneira como choramos
quando nascemos
surpreende
nossos pés voltados para o ar?

Advirá daí o engenho que escondemos
e que nos faz ambicionar sonhar ou voar?

Não sabemos.
Mas quis a vida tivéssemos,
ao contrário de raízes
como as árvores,
estes olhos para as distâncias
ou então para os sonhos que não fazemos,
não tocamos
e só vemos
quando os temos voltados para dentro. Precisas de colher com o tempo a justa solidão que te refaz. Colher devagar, sem excessos, para que não desesperes e nem morrer te apeteça. Atravessa o silêncio, algum rumor enternece, não é o silêncio tão deserto. Cresce, com o coração em repouso és mais nascente e não se revela o medo. Mede a febre onde a febre se esconde, ouve o sangue silvar, a solidão acordará para a alma a ave que és e não conheces.

(de Poemas da Ciência de Voar e da Engenharia de Ser Ave, editorial Caminho, 1992)

26.8.04

LEOPOLDO MARÍA PANERO

CORRECCIÓN DE YEATS

(Extraída del poema "Prayer for old age")

Dios me proteja de pensar como esos
hombres que piensan solos y
viven por ello de olvidar lo
que pensaron -porque
la mente no está sóla y
Aquel
que canta la canción perdurable
demasiado la siente, demasiado.

Dios me proteja con más que su nombre,
Dios me proteja de ser un anciano
al que todos adulan y llamen
por el vacío de su nombre; oh, qué soy,
¿quién, si no puedo más,
que
parecer -por amor de cantar
entera la canción- siempre un loco?

Rezo -pues las palabras vacías se marcharon
sin ser oídas y sólo la plegaria queda
en pie- para que aun cuando tarde mucho
en morir y en escribir mi nombre
al fin sobre la lápida puedan
un día decir sobre ese frío
que no estuve loco.


(de Narciso en el acorde último de las flautas, 1979)


CORRECÇÃO DE YEATS
(Extraída do poema "Prayer for old age")

Deus me proteja de pensar como esses
homens que pensam sozinhos e
vivem por essa coisa de esquecer o
que pensaram -porque
a mente não está sozinha e
Aquele
que canta a canção duradoura
demasiado a sente, demasiado.

Deus me proteja com mais que o seu nome,
Deus me proteja de ser um velho
a quem todos bajulem e chamem
pelo vazio do seu nome; oh, o que sou,
- quem, se não posso mais,
que
parecer -por amor de cantar
inteira a canção- sempre um louco? -

Rezo -pois as palavras vazias se foram
sem serem ouvidas e apenas a oração fica
levantada- para que mesmo que demore muito
a morrer e a escrever o meu nome
por fim sobre a lápide possam
um dia dizer sobre esse frio
que não estive louco.

(tradução minha)
W. B. YEATS

A Prayer for Old Age


God guard me from those thoughts men think
In the mind alone;
He that sings a lasting song
Thinks in a marrowbone;

From all that makes a wise old man
That can be praised of all;
O what am I that I should not seem
For the song's sake a fool?

I pray - for fashion's word is out
And prayer comes round again -
That I may seem, though I die old,
A foolish, passionate man.


(de A Full Moon in March, 1935)


Uma Oração à Velhice

Deus me guarde daqueles pensamentos que os homens têm
Sozinhos no seu pensar;
Aquele que canta uma canção duradoura
Pensa num osso suculento;

De tudo o que torna sábio um velho
Isso pode ser o mais louvável;
Oh que sou eu que não devia parecer
Para que a canção crie um tonto?

Eu rezo - pois a vã palavra foi-se
E a oração volta a surgir -
Para que possa parecer, ainda que morra velho,
Um homem tonto e apaixonado.

(tradução minha)