GEORGES CHARBONNIER: [...] A partir de quando pensa que surgiu a literatura? Como a reconheceu?
JORGE LUIS BORGES: Reconheci-a de maneira física. Há qualquer coisa que muda em mim. Não me atrevo a falar da circulação do meu sangue ou do ritmo da minha respiração, mas existem coisas que sinto imediatamente como sendo reflexos da poesia. Por exemplo, se tivesse de analisar ou de justificar um verso como: «O vento da outra noite destruiu o amor», talvez isso me custasse muito e a explicação certamente não seria satisfatória. Mas quando digo esse verso, mesmo em mau francês, ou quando alguém diz esse verso, sinto que estou perante a poesia. Da mesma maneira que sentimos, não sei o quê, o mar, uma mulher, o pôr do sol, da mesma maneira se sente a amizade ou a inteligência dos outros. Isso é uma experiência imediata. Por exemplo, você vai a uma reunião, a um cocktail, e apresentam-lhe duas pessoas. Uma pronuncia algumas coisas bastante inteligentes. A outra não diz senão banalidades. Pensa nisso e tem a convicção de que a pessoa que disse coisas inteligentes é um imbecil e a outra é de facto inteligente! Eu julgo que não nos enganamos. Ora, esta impressão imediata da poesia, da inteligência ou até da bondade é realmente mais exacta. Enquanto o raciocínio é uma espécie de cadeia, não? se nos iludimos uma única vez, o resto não existe. Penso que se sente a poesia como a música, como o amor, como a amizade, como todas as coisas do mundo. A explicação vem depois.
JORGE LUIS BORGES: Reconheci-a de maneira física. Há qualquer coisa que muda em mim. Não me atrevo a falar da circulação do meu sangue ou do ritmo da minha respiração, mas existem coisas que sinto imediatamente como sendo reflexos da poesia. Por exemplo, se tivesse de analisar ou de justificar um verso como: «O vento da outra noite destruiu o amor», talvez isso me custasse muito e a explicação certamente não seria satisfatória. Mas quando digo esse verso, mesmo em mau francês, ou quando alguém diz esse verso, sinto que estou perante a poesia. Da mesma maneira que sentimos, não sei o quê, o mar, uma mulher, o pôr do sol, da mesma maneira se sente a amizade ou a inteligência dos outros. Isso é uma experiência imediata. Por exemplo, você vai a uma reunião, a um cocktail, e apresentam-lhe duas pessoas. Uma pronuncia algumas coisas bastante inteligentes. A outra não diz senão banalidades. Pensa nisso e tem a convicção de que a pessoa que disse coisas inteligentes é um imbecil e a outra é de facto inteligente! Eu julgo que não nos enganamos. Ora, esta impressão imediata da poesia, da inteligência ou até da bondade é realmente mais exacta. Enquanto o raciocínio é uma espécie de cadeia, não? se nos iludimos uma única vez, o resto não existe. Penso que se sente a poesia como a música, como o amor, como a amizade, como todas as coisas do mundo. A explicação vem depois.
(excerto de Entrevistas com Jorge Luis Borges, tradução de Serafim Ferreira, Início, 1968)