[contributo de um ouvinte dos Clã para o entendimento desta eleição presidencial - a começar pelo nome do cd]
CARLOS TÊ (letra) / HÉLDER GONÇALVES (música)
NOVAS BABILÓNIAS
Neste tempo de sucessos
de quedas e ascensões
para o topo dos topos
para o gelo dos copos
para a vala das gerações
novos Bogarts em velhas gabardines
novas Madonnas em velhas Marilyns
crestam lendas nos magazines
ao ritmo das ilusões
novas Babilónias erguem-se do pó
e lê-se tudo em diagonal
e tudo chega a horas a Portugal
o comboio está agarrado
por fim o tempo está mesmo ao lado
já chegou o Desejado
e o sonho está normalizado
na suave proporção
de um para x elevado a um cifrão
novas Babilónias erguem-se do pó
tudo é novo e velho num vaivém de espuma
tudo se refunde no brilho da bruma
e vós combatentes de guerras idas
contentes lambendo as mãos do rei Midas
Joanas, Joões de arcas perdidas
saltadores de fogueiras já ardidas
cinzas de cinzas de cinzas
bem-vindos ao império das coisas parecidas
novas Babilónias erguem-se do pó
(do álbum lusoqualquercoisa, 1996)
22.10.05
20.10.05
INÊS LOURENÇO
O instante anterior
Uma ave estremece
no instante anterior
à rigidez das asas. Também ela
apesar do sentido inato
para sobrevoar abismos
transporta no corpo
a circulação pastosa do sangue
e a informe substância do
perseguido alimento.
(de A Enganosa Respiração da Manhã, Asa Editores, 2002)
O instante anterior
Uma ave estremece
no instante anterior
à rigidez das asas. Também ela
apesar do sentido inato
para sobrevoar abismos
transporta no corpo
a circulação pastosa do sangue
e a informe substância do
perseguido alimento.
(de A Enganosa Respiração da Manhã, Asa Editores, 2002)
19.10.05
[dia da Terra]
VASCO MIRANDA
DEMISSÃO
Se pudesse escrevia um poema sem palavras.
As palavras não existem. Já nada dizem
Do que antes era. Antes
Quando o medo era sombra inexistente
E era possível aos homens falar de amor.
Agora há só o espantalho do medo,
As bocas negras, a fome negra,
E o uivo dos cães mudos nas noites desertas e distantes.
Antes havia feras e cristão para as feras.
Agora, ou porque tudo são feras,
Ou porque já não há cristãos
(E há só o medo, o pavor, a fome,
As cumplicidades carnais ao topo dos ventos,
E o ridículo de se ter medo: o pasto das trevas)
A semente de Deus anda à deriva sem leira onde se acoite.
- Espuma, sonho, aurora, canto? - palavras ausentes.
No galeão da vida, haverá de novo bodas de sangue
Para que do Mar volte para a Terra
O viço e a alegria das novas sementes.
(de A Vida Suspensa, 1953)
VASCO MIRANDA
DEMISSÃO
Se pudesse escrevia um poema sem palavras.
As palavras não existem. Já nada dizem
Do que antes era. Antes
Quando o medo era sombra inexistente
E era possível aos homens falar de amor.
Agora há só o espantalho do medo,
As bocas negras, a fome negra,
E o uivo dos cães mudos nas noites desertas e distantes.
Antes havia feras e cristão para as feras.
Agora, ou porque tudo são feras,
Ou porque já não há cristãos
(E há só o medo, o pavor, a fome,
As cumplicidades carnais ao topo dos ventos,
E o ridículo de se ter medo: o pasto das trevas)
A semente de Deus anda à deriva sem leira onde se acoite.
- Espuma, sonho, aurora, canto? - palavras ausentes.
No galeão da vida, haverá de novo bodas de sangue
Para que do Mar volte para a Terra
O viço e a alegria das novas sementes.
(de A Vida Suspensa, 1953)
17.10.05
VERGÍLIO ALBERTO VIEIRA
Arte Poética
1.
Chega a mão
a escrever
negro chega onde
escreve
chega onde chega
a escrever não
2.
Chega ou não
a escrever
não chega onde
chega
escreve onde a negro
escreve a mão
3.
Chega em vão
a escrever
negro escreve onde
chega
quando escreve
escreve não
4.
Chega então a
escrever
não chega negro
a escrever
mão escreve escreve
escreva ou não
(de O Voo da Serpente, Campo das Letras, 2001)
Arte Poética
1.
Chega a mão
a escrever
negro chega onde
escreve
chega onde chega
a escrever não
2.
Chega ou não
a escrever
não chega onde
chega
escreve onde a negro
escreve a mão
3.
Chega em vão
a escrever
negro escreve onde
chega
quando escreve
escreve não
4.
Chega então a
escrever
não chega negro
a escrever
mão escreve escreve
escreva ou não
(de O Voo da Serpente, Campo das Letras, 2001)
16.10.05
20
a água corre para o rio
porque é preciso distinguir
distinguem-se pelos dedos
pelas unhas
a arte revela segredos e gritos
a arte revela sustos
le rideau jaune, rené magritte
e o açúcar vem sempre no fim.
(de Legenda, edições Atlas, 1995)
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