EUGENIO MONTALE
CARNAVAL DE GERTISe a roda se embaraça no rolo
das serpentinas e o cavalo
se empina na comprimida multidão, se neva nos
teus cabelos e nas tuas mãos um longo arrepio
de fugazes íris ou as crianças elevam
as plangentes ocarinas que saúdam
a tua viagem e os ecos ligeiros caem em lascas
da ponte abaixo sobre o rio,
se a rua se despovoa e te conduz
a um mundo insuflado numa trémula
bolha de ar e de luz onde o sol
saúda a tua graça - talvez tenhas
reencontrado o caminho que tentou um instante
o chumbo derretido à meia-noite quando
acabou o ano tranquilo e sem foguetes.
E agora queres acabar onde um filtro
despoja os sons
e deles faz sair os sorridentes e acres
fumos que compõem o teu amanhã:
agora pedes uma terra onde os onagros
mordem cubos de açúcar nas tuas mãos
e as atarracadas árvores despontam rebentos
miraculosos no bico dos pavões.
(Oh o teu Carnaval será ainda mais triste
esta noite do que o meu, prisioneira entre as prendas
para os ausentes: carrinhos de licores
coloridos, fantoches e arcabuzes,
bolas de borracha, liliputianos
utensílios de cozinha: a urna destinava-as
a cada um dos amigos distantes na hora
em que Janeiro se entreabria e no silêncio
se cumpria o sortilégio. É já Carnaval
ou é Dezembro que se atrasa ainda? Penso
que se moves o ponteiro do pequeno
relógio que usas no pulso, tudo
parará num decomposto prisma
babélico de formas e de cores...)
E o Natal virá e o Ano Novo
que esvazia as casernas e te traz
os amigos dispersos, e também este Carnaval
voltará, ele que agora nos foge
através das paredes que se fendem já. Pedes
para parar o tempo na terra
que em redor se dilata? As grandes asas
sarapintadas afloram-te, os alpendres
suspendem ao ar livre frágeis bonecas
louras, vivas, as pás dos moinhos
rodam fixas sobre as poças gárrulas.
Pedes para suster os sinos
de prata sobre o burgo e o som rouco
das pombas? Pedes as manhãs
trepidantes das tuas praias longínquas?
Como tudo se torna estranho e difícil,
como tudo é impossível, dizes tu.
A tua vida é aqui em baixo onde retumbam
as rodas dos furgões sem descanso
e nada volta se não talvez nestes
sacões do possível. Regressa
até junto dos mortos brinquedos onde a morte porém
não existe; e com o bater do tempo
no teu pulso entrega-te de novo à existência,
entre as paredes pesadas que não se abrem
ao abismo fatigado dos humanos,
regressa ao caminho onde contigo me entristeço,
àquele que apontou um chumbo seco
às minhas, às tuas noites:
volta às primaveras que não florescem.
(tradução de José Manuel de Vasconcelos, in
Poesia, Assírio & Alvim, 2004 –
documenta poetica. Original de
Le occasioni / As ocasiões, 1939)