POEMAS EM PROSA
PRIMEIRO POEMA
Hoje pensei dois versos com a mesma naturalidade com que um botão se abre em flor. Se amanhã pensar outros dois igualmente intensivos e desigualmente naturais, poderei enfim convencer-me de que estou metido numa fogueira que me põe ao rubro e não consome.
SEGUNDO POEMA
Meteu o punhal dentro do bolso e saiu para a noite deserta. Deserta e escura. Seu desejo assassino era somente apunhalar as trevas e riscá-las de luz.
TERCEIRO POEMA
Quando as balas rasgaram a carne em estilhaços, o monstro ficou ali, na noite escura, para pasto dos corvos. Mas quando, ao acordar da manhã, lhe arrancaram a capa manchada de sangue e uma estrela riscou no azul a sentença decisiva, caíram fulminados pelo ódio do desespero ao ódio cego. Tinham morto o Poeta.
QUARTO POEMA
Nos bairros destruídos, nas casas pilhadas, nas moradias de lata, nos reféns amordaçados, nos presidiários humilhados, nas mulheres vendidas, em tudo ponho a minha assinatura. Acrescento-a simplesmente da palavra - perdão.
QUINTO POEMA
Avançam de todos os lados como para nos esmagar. Corcéis de fogo! Galope audaz! Marcha violenta na manhã carregada de sombras. Vozearia e fumo. Canções e trovão. A vida já não é recusa. O problema não é o da quadratura do círculo. O sol faz um desvio de graus. Só eu tenho a chave desta explosão que anda na boca de toda a gente. Porquê, então, voltar tragicamente as costas?...
SEXTO POEMA
Aceito a vida com a mesma força com que um crente tem fé. E porque a fonte é pura não careço de reacção. Nas minhas águas lavam-se os frutos. Posso mordê-los e dar a comer... Ah, que prazer sentir-me na terra como uma cerejeira que tem os braços erguidos para o céu e as cerejas a oferecer-se, pendentes, ao primeiro caminheiro errante!...
Isto, sim, é Alegria e estar Presente.
(de Alfa e Ómega, 1951)