A Bigger Splash, 1967
Acrílico s/ tela
242,5 cm X 243,9 cm
Tate, Londres
JOSÉ EDUARDO AGUALUSA
Já é noite quando entro em casa. Vera Regina acha-me um ar estranho. Palavras dela:
«Estás com um ar estranho.»
Não me pergunta nada. Tenho em casa, na parede da sala de visitas, uma
cópia em tamanho real de A Bigger Splash, 243,8 cm por 243,8 cm, que
David Hockney pintou em 1967. Pago a um jovem artista para me fazer
cópias exactas das minhas obras preferidas. Os meus amigos acham isso de
muito mau gosto. Tomás, por exemplo, costuma cuspir numa
tela de Edward Hopper - ou melhor, no caso, do Lúcio Falaz, é esse o
nome do jovem falsário -, Rooms by the Sea, que mandei colocar no
escritório:
«Acho mais honestas as flores de plástico.»
Eu
também não gosto de flores de plástico - porque não são flores. Um óleo
sobre tela, porém, é um óleo sobre tela. Uma aguarela é uma aguarela. Se
eu fosse muito rico comprava os originais. Se eu fosse pobre não
comprava pósteres. Os pósteres, sim, são flores de plástico. Sento-me em
frente de A Bigger Splash, a cópia, e demoro-me a vê-la. É uma
composição simples. Uma casa, duas palmeiras, uma cadeira de lona, e, em
primeiro plano, uma prancha e a piscina. Alguém acabou de saltar, mas
não se vê corpo nenhum, apenas a água em desordem. O silêncio, um súbito
splash, e o silêncio de novo. Eu ainda não mergulhei de vez, penso,
estou suspenso no ar. Aquele é o meu retrato amanhã. Um pouco de água em
convulsão e o peso puro do mistério no instante seguinte.
(excerto do conto "A Bigger Splash", in Catálogo de Sombras, 5ª ed.: Publicações Dom Quixote, 2009 - 1ª ed. de 2003)