19.7.14

DAVID HOCKNEY



A Bigger Splash, 1967

Acrílico s/ tela

242,5 cm X 243,9 cm
Tate, Londres
 

JOSÉ EDUARDO AGUALUSA


Já é noite quando entro em casa. Vera Regina acha-me um ar estranho. Palavras dela:
«Estás com um ar estranho.»
Não me pergunta nada. Tenho em casa, na parede da sala de visitas, uma cópia em tamanho real de A Bigger Splash, 243,8 cm por 243,8 cm, que David Hockney pintou em 1967. Pago a um jovem artista para me fazer cópias exactas das minhas obras preferidas. Os meus amigos acham isso de muito mau gosto. Tomás, por exemplo, costuma cuspir numa tela de Edward Hopper - ou melhor, no caso, do Lúcio Falaz, é esse o nome do jovem falsário -, Rooms by the Sea, que mandei colocar no escritório: 
«Acho mais honestas as flores de plástico.»
Eu também não gosto de flores de plástico - porque não são flores. Um óleo sobre tela, porém, é um óleo sobre tela. Uma aguarela é uma aguarela. Se eu fosse muito rico comprava os originais. Se eu fosse pobre não comprava pósteres. Os pósteres, sim, são flores de plástico. Sento-me em frente de A Bigger Splash, a cópia, e demoro-me a vê-la. É uma composição simples. Uma casa, duas palmeiras, uma cadeira de lona, e, em primeiro plano, uma prancha e a piscina. Alguém acabou de saltar, mas não se vê corpo nenhum, apenas a água em desordem. O silêncio, um súbito splash, e o silêncio de novo. Eu ainda não mergulhei de vez, penso, estou suspenso no ar. Aquele é o meu retrato amanhã. Um pouco de água em convulsão e o peso puro do mistério no instante seguinte. 


(excerto do conto "A Bigger Splash", in Catálogo de Sombras, 5ª ed.: Publicações Dom Quixote, 2009 - 1ª ed. de 2003)

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