14.7.14

ELOY SÁNCHEZ ROSILLO


O ABISMO

Há neste ir deixando que se passe
a vida sem dar fruto, nesta voluntária
renúncia de fazer em que tantas vezes
me mantenho e que não tem, no meu caso,
nenhuma relação com a preguiça,
nem com o ermo cepticismo, nem
com essa aridez do coração que a muitos,
na minha idade, para sempre nega a palavra,
há nesta abstenção deliberada, porventura,
não sei, como que um bizarro amor ao perigo,
como que um obscuro afã irreprimível
de tentar a sorte seguindo pela berma
de um abismo espantoso. Certas vezes, passam
largos meses inteiros em que nada escrevo,
em que me oponho inexplicavelmente
a cumprir o dever que justifica
o meu existir. E digo-me: «Já há muitos anos
que deixei de ser jovem; vai-se encurtando o tempo
de que talvez disponha para levar a cabo
o labor ainda pendente: os poemas
que porfiam e aspiram ao ar e à luz
e que sem forma habitam nas sombras
do meu silêncio. Não há maior tristeza
do que a daquele que querendo ascender
não cresce nem se transforma em flor, em vida
que se afirma e que canta». No entanto, persisto
na inactividade, olhando, absorto,
cheio de culpa e de desassossego,
o fundo do abismo: o nada que desmente
as minhas velhas ilusões, a fé que me susteve,
a minha vontade de ser diante da morte.


(tradução minha - original de La Vida, Tusquets Editores, 1996)

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