RUY CINATTI
XIII
Quando vier da minha terra que é no mundo
prá minha terra que é do coração,
usarei as minhas ferramentas
para arrazar vulcões estéreis
e conhecer os frutos que nos são negados.
Furos, nascentes, pás e picaretas,
agrónomos, hidráulicos, correcção, levadas,
estas serão as minhas ferramentas
para combater as secas prolongadas
e colher os frutos que nos são negados.
O resto, é história antiga: não interessa
senão para ilustrar a condição
que moveu os braços musculados
e aos filhos futuros nossos consentiu
colher os frutos que nos são negados.
(de Crónica Cabo-Verdiana, 1967)
28.10.09
FILINTO ELÍSIO
9.
sabe o poeta que a hora é plácida
pedestal caindo
estrela cadente
estrelas do mar
algas da sorte
(retornando à ida)
timbre de voz
que o poeta pressente...
(de Do lado de cá da rosa, Instituto Caboverdeano do Livro e do Disco, 1995)
7.
Perdoa-me mas não me ocorre a Atlântida de Platão
As ilhas têm uma só raiz: o amor!
O resto é ínsula língua do mar coxas d’areia
Macaronésia só de mamas arquipélago de gemidos
Barlaventos de braços sotaventos de pernas
A Vénus sai das águas e o Caliban da terra é fome
São as ilhas o reverso do Paraíso sem molduras
Mangas cocos tâmaras musgos seixos espumas
Serpentes sem pecado sem veneno sem Bíblia!
(de O Inferno do Riso, Instituto da Biblioteca Nacional, 2001)
3
As frutas, uma a uma, darão suas entranhas à boca
O roçar leve de língua ao gosto de todas as coisas,
As frutas saberão trazer do antanho nossas memórias
Em paraísos de proibir nas árvores todo o proibido.
Uma a uma, não nos poderemos delas jamais apartar,
Sílabas poderosas no ulterior dos verbos acamados
Nos leitos de horizontes surgidos do útero da baía
E nas janelas abertas para o império dos sentidos.
De quantas frutas somos benditos no ventre das vontades,
Quantas lágrimas, suores e sémenes, vagidos de nada,
A esventrar a espessura de tudo ser mais prima matéria.
Ajoelhados ante o silêncio, soletraremos ao infinito
O que desta idade temos ainda de eterna saudade
E entoaremos, de sussurros tão-somente, o hino às frutas.
(de Das Frutas Serenadas, Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro, 2007)
9.
sabe o poeta que a hora é plácida
pedestal caindo
estrela cadente
estrelas do mar
algas da sorte
(retornando à ida)
timbre de voz
que o poeta pressente...
(de Do lado de cá da rosa, Instituto Caboverdeano do Livro e do Disco, 1995)
7.
Perdoa-me mas não me ocorre a Atlântida de Platão
As ilhas têm uma só raiz: o amor!
O resto é ínsula língua do mar coxas d’areia
Macaronésia só de mamas arquipélago de gemidos
Barlaventos de braços sotaventos de pernas
A Vénus sai das águas e o Caliban da terra é fome
São as ilhas o reverso do Paraíso sem molduras
Mangas cocos tâmaras musgos seixos espumas
Serpentes sem pecado sem veneno sem Bíblia!
(de O Inferno do Riso, Instituto da Biblioteca Nacional, 2001)
3
As frutas, uma a uma, darão suas entranhas à boca
O roçar leve de língua ao gosto de todas as coisas,
As frutas saberão trazer do antanho nossas memórias
Em paraísos de proibir nas árvores todo o proibido.
Uma a uma, não nos poderemos delas jamais apartar,
Sílabas poderosas no ulterior dos verbos acamados
Nos leitos de horizontes surgidos do útero da baía
E nas janelas abertas para o império dos sentidos.
De quantas frutas somos benditos no ventre das vontades,
Quantas lágrimas, suores e sémenes, vagidos de nada,
A esventrar a espessura de tudo ser mais prima matéria.
Ajoelhados ante o silêncio, soletraremos ao infinito
O que desta idade temos ainda de eterna saudade
E entoaremos, de sussurros tão-somente, o hino às frutas.
(de Das Frutas Serenadas, Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro, 2007)
27.10.09
SÉRGIO GODINHO
Chuvas de Cabo Verde
Há quantos meses não chove
parece que nove
parece que nove
se chover nos três que resta
parece que há festa
parece que há festa
Beleza de Cabo Verde
não se vê do avião
país que é novo tem sede
do que faz fazer o pão
este socalco foi milho
e aquelas pedras, feijão
ensinava a mãe ao filho
repete o filho ao irmão
Há quantos meses não chove
parece que nove
parece que nove
se chover nos três que resta
parece que há festa
parece que há festa
Beleza de Cabo Verde
está na maneira de olhar
árvore que tinha sede
foi-se também emigrar
nela encostado, o emigrante
trinca do fruto da morna
não há nenhum que não cante
a vez em que à terra torna
Beleza de Cabo Verde
está na razão de cantar
música não mata a sede
mas se pudesse matar
com água por melodia
e por batuque irrigado
(do álbum Aos Amores, 1989)
(vozes de Sérgio Godinho e Tito Paris, no álbum O Irmão do Meio, 2003)
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26.10.09
ANTÓNIO PEDRO
I
Ai árvores ali
e duras!,… ai!:
e aqui
terra queimada
só.
Bé!,
o pó
da ventania
sufoca!
…Lá na baía
ou doca
ou o que é,
lá do vapor
parecia
melhor,
embora fosse careca
a terra seca,
e o sol queimasse
e adormentasse
já.
Cá
há mais do que calor,
há dor
do sol!
…e a preta
De lenço branco
Lá no barranco
Da achada
Tem o ar de um sobressalto
…E andam sombras
pelas sombras
como havia no mar alto…
No entanto,
de não estar
habituado a encontrar
estas sombras aqui,
ainda não consegui
o meu encanto:
pasmar
- Paisagem, quem me adivinha? –
E andam sombras pelas sombras
enquanto a noite caminha,
dês que o luar dealbou…
Que tentaram ensombrar-me
- Mas quem foi que me assombrou?
Quem me ensombra
não me assombra!
…Apenas me sobressalta
não ver os mortos da sombra
que me fazem tanta falta!...
(de Diário, 1929)
I
Ai árvores ali
e duras!,… ai!:
e aqui
terra queimada
só.
Bé!,
o pó
da ventania
sufoca!
…Lá na baía
ou doca
ou o que é,
lá do vapor
parecia
melhor,
embora fosse careca
a terra seca,
e o sol queimasse
e adormentasse
já.
Cá
há mais do que calor,
há dor
do sol!
…e a preta
De lenço branco
Lá no barranco
Da achada
Tem o ar de um sobressalto
…E andam sombras
pelas sombras
como havia no mar alto…
No entanto,
de não estar
habituado a encontrar
estas sombras aqui,
ainda não consegui
o meu encanto:
pasmar
- Paisagem, quem me adivinha? –
E andam sombras pelas sombras
enquanto a noite caminha,
dês que o luar dealbou…
Que tentaram ensombrar-me
- Mas quem foi que me assombrou?
Quem me ensombra
não me assombra!
…Apenas me sobressalta
não ver os mortos da sombra
que me fazem tanta falta!...
(de Diário, 1929)
25.10.09
MANUEL LOPES
MAR-ALTO
E porque teu coração encerra
a saudade do mar e a saudade da terra
- tua ilha é grande...
E porque teus sentidos traçam norte e sul
e traçam leste e oeste norte e sul
- tua ilha é grande...
E porque tens os olhos virados para o azul
para lá do azul e para cá do azul
- tua ilha é grande...
E porque no teu sangue se deu o encontro de tantas raças
no mesmo latejar de ansiedades e resignações
dores alegrias e desgraças
- tua ilha é grande...
E porque a tua vida marca cada hora
como a onda dominadora
na alegria que chora
ou na tristeza que ri,
tua divisa ora
- em cada hora nasci...
(de Crioulo e outros poemas, 1964)
LEANDRO
(Os Flagelados do Vento Leste)
Querias que os montes fossem gentes
e as gentes montes.
Que se misturassem
confundissem
e falassem
e depois tivessem a magia
de distinguir os montes das gentes
até chegar à humana conclusão
de que eram iguais
com a mesma linguagem
as mesmas lutas e ódios
e em cada despedida
a mesma esperança desesperada
a mesma saudade mentida a mesma ilusão
as mesmas ameaças ou o mesmo perdão
a mesma indiferença
a mesma sorte
desmentida
sob os escombros da vida
que se recusa na morte...
(in Falucho Ancorado, edições Cosmos, 1997)
MAR-ALTO
E porque teu coração encerra
a saudade do mar e a saudade da terra
- tua ilha é grande...
E porque teus sentidos traçam norte e sul
e traçam leste e oeste norte e sul
- tua ilha é grande...
E porque tens os olhos virados para o azul
para lá do azul e para cá do azul
- tua ilha é grande...
E porque no teu sangue se deu o encontro de tantas raças
no mesmo latejar de ansiedades e resignações
dores alegrias e desgraças
- tua ilha é grande...
E porque a tua vida marca cada hora
como a onda dominadora
na alegria que chora
ou na tristeza que ri,
tua divisa ora
- em cada hora nasci...
(de Crioulo e outros poemas, 1964)
LEANDRO
(Os Flagelados do Vento Leste)
Querias que os montes fossem gentes
e as gentes montes.
Que se misturassem
confundissem
e falassem
e depois tivessem a magia
de distinguir os montes das gentes
até chegar à humana conclusão
de que eram iguais
com a mesma linguagem
as mesmas lutas e ódios
e em cada despedida
a mesma esperança desesperada
a mesma saudade mentida a mesma ilusão
as mesmas ameaças ou o mesmo perdão
a mesma indiferença
a mesma sorte
desmentida
sob os escombros da vida
que se recusa na morte...
(in Falucho Ancorado, edições Cosmos, 1997)
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