7.12.13

VIRGÍLIO DE LEMOS


CANTEMOS COM OS POETAS DE HAITI

Cruzo os braços, Baby, e deixo-me ficar
Apreensivo e triste, meditando:
Tu, Baby, e os poetas nossos irmãos
Que escrevem cânticos no Haiti,
Sabem da vida incerta e vazia
Dos negros das ilhas e Américas
Dos que sofrem em África e Oceânia.

Lembras-te daquele poema universal
Que falava de desumanidade?
Lembras-te dos segredos nas entrelinhas
Dos poemas verticais da Noémia de Sousa
Sempre em papel amarelo?

Ah, se tudo fosse como nos sonhos belos
Cheio de romance e fantasia doce
Não haveria, Baby, o desespero
Nos cânticos dos poetas de Haiti
Nem segredos havia, fundos de angústia
Nos poemas verticais de desespero!

Ah, nem tu, Baby, nem mesmo eu
Faríamos da poesia um cântico triste
E só falaríamos de paz, amor,
E numa sede constante do azul do céu!
Mas se é dor o mundo que nos cerca,
Cantemos com os poetas de Haiti
Uma canção amarga que se não perca,
Cantemos em uníssono, porque lá ou aqui,
Os segredos são iguais, fundos de angústia,
E os poemas verticais, também de desespero.



(de Poemas do Tempo Presente, 1960)

5.12.13

[ao saber da morte de NELSON MANDELA]

LEOPOLD SÉDAR SENGHOR


TUA CARTA MINHA CARTA

Tua carta minha carta, e se fosse impossível
Se Hitler se Mussolini, se a Rodésia a África do Sul, o parente português
Se se e mais se, mas nós temos o telefone branco
Não, o vermelho. Satélites rodando em torno da Terra-Mãe.
Se é que rodam mas que importa? Através dos negros espaços estrelados
Através dos muros as cadeias de sangue, através da máscara e da morte
Temos o telefone da aorta: o nosso código é indecifrável.



(tradução de Luiza Neto Jorge, in Poemas, Editora Arcádia, 1977)

1.12.13

EGITO GONÇALVES


OS VEGETANTES

Continuam aqui
roendo as unhas!

Substituem as unhas por poemas
(ou cafés, futebol, anedotário)
e estilhaçam espelhos que na luz
ao seu devolvem a cruel imagem.

Vidrado limo o rosto
de rugas sem memória
assistam à vida como um filme:
disparar sobre a tela é proibido
e além do miais inútil.

Curvam ao solo os ombros
escoriados; curvam-nos para
duradoiras urtigas, seixos
sem horizonte, epitáfios
de lama, dezembros, poeira fria.

Se chovem as esperanças não acorrem
a apanhá-las na boca ao ar aberto.
Tijolo articulado a língua balbucia
«É a vida!». Sementes violadas
não germinam.

Em vão os bombardeiam os oráculos
com agulhas de sangue. Nada tentam
para dar vida à fala que utilizam,
ao país do cansaço que entre dentes
ressaca.

E fazem do amor essa triste humidade,
um delíquio formal logo amortalhado.

São dóceis, cibernéticos,
dia a dia premiados
de alguns gramas a mais
no chumbo do pescoço.



(de Poemas Políticos 1952-1979, Moraes Editora, 1980)