MANOEL DE BARROS
POEMA AO ADOLESCENTE RIMBAUD
Sob o enorme casaco roto uma pequena
morte (no arrebol!) tu carregavas.
Uma verde morte.
A morte íngreme dos meninos acrobatas.
(mosto em vasilha nova.)
(in A Nova Poesia Brasileira, organizado por Alberto da Costa e Silva, Escritório de Propaganda e Expansão Comercial do Brasil em Lisboa, 1960)
5.2.05
4.2.05
[isto, sim, é uma boa metáfora! - para uma história entusiasmante e cheia de actualidade, passada em tempo de carnaval]
HEINRICH BOLL
(excerto do início de A Honra Perdida de Katharina Blum, trad. de Maria Helena Rodrigues de Carvalho, Europa-América, 1981)
HEINRICH BOLL
Se este relato - uma vez que se fala aqui tanto de fontes - for sentido, aqui e ali, como «fluido», pedimos perdão ao leitor: era inevitável. Perante as «fontes» e a «fluidez» não se pode falar de composição, mas dever-se-á antes introduzir o conceito de reunião, de condução, conceito elucidativo para qualquer pessoa que, em criança (ou até em adulto), tenha brincado em, junto de ou com charcos, drenando-os, ligando-os por meio de canais, esgotando-os, conduzindo-os ou mudando-lhes a orientação, até que todo o potencial de água existente no charco seja reunido num canal comum, que será orientado para um nível mais baixo ou talvez ordenada ou ordeiramente conduzida para uma sargeta ou canal da responsabilidade das autoridades locais. O único objectivo aqui é efectuar uma espécie de drenagem ou secagem. Declaradamente um processo de ordem. Por conseguinte, se esta narrativa vier, aqui e ali, a atingir o estado fluido em que desempenham algum papel as diferenças e as compensações de nível, solicitamos a indulgência do leitor, pois, ao cabo e ao resto, também há interrupções, diques, assoreamentos, conduções falhadas e fontes que «nunca se encontram», para não falarmos de correntes subterrâneas, etc.
(excerto do início de A Honra Perdida de Katharina Blum, trad. de Maria Helena Rodrigues de Carvalho, Europa-América, 1981)
3.2.05
CÉSAR ANTONIO MOLINA
Derrelictos
Entré en el bosque no demasiado tarde
como el tordo que penetró en el jardín de William C. W.
Y recordé que el olor del silencio era tan viejo?
Me oía cerrar los ojos, abrirlos de nuevo.
Y la extensión grávida y el profundo oleaje
y el océano del trigo y las piñas colmadas como bóvedas.
La estrella de mar taló su excrescencia,
cómo temblaron los juncos al borde de un agua dormida.
El bosque tenía orejas, el prado ojos,
y todo se disolvía en la áspera divinidad de la peña silvestre.
Conociendo mi propia cantidad me deslicé,
tan sólo era un único elemento inútil al faro de la noche.
(de Gobierno de un Jardín, Menú - Cuadernos de Poesía, 1986)
Desamparados
Entrei no bosque não demasiado tarde
como o tordo que entrou no jardim de William C. W.
E lembrei-me que o aroma do silêncio era tão velho...
Ouvia-me a fechar os olhos, a abri-los de novo.
E a extensão grávida e o profundo marulho
e o oceano do trigo e as pinhas dispostas como abóbadas.
A estrela de mar destruiu a sua excrescência,
tal como os juncos tremeram à beira de uma água adormecida.
O bosque tinha orelhas, o prado olhos,
e tudo se dissolvia na áspera divindade da fraga silvestre.
Conhecendo a minha própria porção, resvalei,
pois era apenas um elemento isolado, inútil ao farol da noite.
(tradução minha)
Derrelictos
Entré en el bosque no demasiado tarde
como el tordo que penetró en el jardín de William C. W.
Y recordé que el olor del silencio era tan viejo?
Me oía cerrar los ojos, abrirlos de nuevo.
Y la extensión grávida y el profundo oleaje
y el océano del trigo y las piñas colmadas como bóvedas.
La estrella de mar taló su excrescencia,
cómo temblaron los juncos al borde de un agua dormida.
El bosque tenía orejas, el prado ojos,
y todo se disolvía en la áspera divinidad de la peña silvestre.
Conociendo mi propia cantidad me deslicé,
tan sólo era un único elemento inútil al faro de la noche.
(de Gobierno de un Jardín, Menú - Cuadernos de Poesía, 1986)
Desamparados
Entrei no bosque não demasiado tarde
como o tordo que entrou no jardim de William C. W.
E lembrei-me que o aroma do silêncio era tão velho...
Ouvia-me a fechar os olhos, a abri-los de novo.
E a extensão grávida e o profundo marulho
e o oceano do trigo e as pinhas dispostas como abóbadas.
A estrela de mar destruiu a sua excrescência,
tal como os juncos tremeram à beira de uma água adormecida.
O bosque tinha orelhas, o prado olhos,
e tudo se dissolvia na áspera divindade da fraga silvestre.
Conhecendo a minha própria porção, resvalei,
pois era apenas um elemento isolado, inútil ao farol da noite.
(tradução minha)
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2.2.05
Hoje, na Terra da Alegria, falo duma palestra de Frei Bento Domingues. Ao ler o texto do Carlos, ocorre-me uma história que ele lá contou:
- Mãe, o que é que vai acontecer quando eu morrer?
- Ora, filho... O teu corpo vai para debaixo da terra e a tua alminha vai para o céu...
- E eu??...
- Mãe, o que é que vai acontecer quando eu morrer?
- Ora, filho... O teu corpo vai para debaixo da terra e a tua alminha vai para o céu...
- E eu??...
31.1.05
[eu, cá p'ra mim, isto de os partidos andarem a anunciar choques, é uma homenagem ao Rui Reininho, que vai festejar as bodas de ouro uma semana depois das eleições]
CHOQUE FRONTAL
50,
60,
70,
80,
90 à hora,
90 à década, vamos embora, vamos embora!
São as distrações que levam ao choque frontal
as insinceridades levam ao choque frontal
as pequenas crueldades incitam ao nosso choque frontal
o tráfego nas cidades leva ao choque frontal
a tua presença OH Mana! Reflecte-se no satélite inchado
nos sulcos do viaduto. Nessas unhas de verniz negro
brilhando nos lábios cereja cristalizada
as dissimulações implicam o choque frontal
as nossas prestações conduzem ao choque frontal
orgulhosa cabeça apostada para trás em fulvos cabelos por certo artificiais
fui cuspido trucidado incenerado amalgamado
entre garras de metal
como novo rodado amortecido travado mal conduzido vistoriado
até ao choque frontal
(do álbum dos GNR Psicopátria, 1988)
CHOQUE FRONTAL
50,
60,
70,
80,
90 à hora,
90 à década, vamos embora, vamos embora!
São as distrações que levam ao choque frontal
as insinceridades levam ao choque frontal
as pequenas crueldades incitam ao nosso choque frontal
o tráfego nas cidades leva ao choque frontal
a tua presença OH Mana! Reflecte-se no satélite inchado
nos sulcos do viaduto. Nessas unhas de verniz negro
brilhando nos lábios cereja cristalizada
as dissimulações implicam o choque frontal
as nossas prestações conduzem ao choque frontal
orgulhosa cabeça apostada para trás em fulvos cabelos por certo artificiais
fui cuspido trucidado incenerado amalgamado
entre garras de metal
como novo rodado amortecido travado mal conduzido vistoriado
até ao choque frontal
(do álbum dos GNR Psicopátria, 1988)
30.1.05
HART CRANE
À Ponte de Brooklyn
Em quantas madrugadas, arrefecidas pelo repouso ondulante,
As asas da gaivota hão-de emergi-la e voar em seu redor,
Espalhando anéis brancos de tumulto, erigindo bem no alto
Sobre as águas agrilhoadas da baía a liberdade -
Então, numa curva inviolada, deixarão os nossos olhos
Tão espectrais como veleiros que cruzam
Uma página cheia de parcelas a arquivar;
- Até que os elevadores nos libertem do nosso dia...
Sonho com cinemas, truques panorâmicos
Com multidões debruçadas sobre uma cena fulgurante
Jamais revelada, mas passada de novo à pressa,
A outros olhos prometida sobre o mesmo écran;
E TU, por cima do porto, ao ritmo da prata
Como se o sol te imitasse, embora deixasse
Um gesto nunca acabado no teu rasto, -
Implicitamente ficas com a tua liberdade!
De uma abertura no metro, de uma cela ou mansarda
Um louco precipita-se para os teus parapeitos,
Oscilando aí por momentos, a garrida camisa enfunada,
E um gracejo solta-se da multidão surpreendida.
Por Wall Street, escorre o meio-dia desde a viga mestra até à rua,
Um rasgão no acetilene do céu;
Toda a tarde os guindastes envoltos pelas nuvens giram...
Os teus cabos respiram ainda o Atlântico Norte.
E é obscura, como aquele céu dos judeus,
A tua recompensa... tu conferes o louvor
De um anonimato que o tempo não pode evocar:
Testemunhas uma indulgência e um perdão vibrantes.
Harpa e altar pelo furor unidos,
(Como pôde o simples trabalho alinhar as tuas cordas cantantes!),
Medonho limiar da promessa do profeta,
Prece de um pária, e grito de um amante, -
E de novo as luzes do trânsito que deslizam pelo teu idioma
Veloz e total, imaculado suspiro de estrelas
Ornando o teu caminho, condensam a eternidade:
E vimos a noite erguida nos teus braços.
Sob a tua sombra, esperei junto dos pilares;
Apenas na escuridão é a tua sombra nítida.
Os bairros flamejantes da cidade todos inacabados,
A neve submerge já um ano de ferro...
Ó Insone como o rio lá em baixo,
Em abóboda sobre o mar, erva sonhadora das pradarias,
Desce, vem até nós, os mais humildes,
E da tua curvatura empresta a Deus um mito.
(de A Ponte, tradução de Maria de Lourdes Guimarães, Relógio D'Água editores, 1995 - original: The Bridge, 1930)
RUI DINIZ
POEMA PARA HART CRANE
Este outono foi-me dado ver-te, no
parapeito de uma ponte, sobre o reno.
À tua volta o céu avolumava as negras
nuvens, prenunciando uma tempestade.
Passei pelo café la voile e enquanto lia os blues
de kaufman, a conselho de um amigo,
tive a nítida impressão da tua vinda
e, em breve, da tua presença naquele lugar.
O vento batia nos vidros e eu voltei a
mim. A tua existência parecera-me sempre
uma simples dedicatória num vaso de
barro, um verso, um único verso, repara,
que o estilete gravara uma potterie.
O vento aumentava de violência e ninguém
ousará contrariar-me se eu afirmar
que esse ruído era o de
milhares de mãos tamborilando
mármore. Repetia comigo:
o outono, o outono, e isso conduzia de
repente o meu pensamento até à Nova
Inglaterra onde lovecraft vivera e morrera.
A terra parecia sedenta. O teu rosto,
quando o pude ver, parecia macilento
e decidido. Pareciam as tuas mão verdadeiras,
nodosas e ágeis. Desde então pouco
me afastei desse instante de recordação.
Ainda hoje, nas portas sumptuosas que
se abrem para cada outono, eu digo
em voz sumida o teu nome, e
saio de mim.
(de Ossuário, & etc, 1977)
HELDER MOURA PEREIRA
HART CRANE: A ÚLTIMA VIAGEM
Avistando a ponte de Brooklyn
sobre a manhã de inquieta
noite, caminhando nos descuidos
entre os primeiros automóveis
e os sinais. Já na idade
da necessária casa não havia
isso que os outros tinham
e a escola ensinava ser
a família. O imenso país, como
de um sonho chegado, corria
a seus olhos e levava-o
a versos, levava-o à meditação
de uma veloz história ainda
a acontecer. Avistando a ponte
de Brooklyn segue os passos
adivinhados de um avisado
corpo e nenhuma palavra
lhe sairá da boca, fica
ecoando muito tempo, virá
a ser tão natural como uma
laranja ou uma árvore, assim
se fixará no mundo. A solidão
era uma fama que a morte foi
buscar, murmúrios breves
não sobem no ar que o mar
afastou. Tão forte esse apelo,
essa branca espuma a superfície
de mais funda vida. Onde
te acalmas se vence o destino
e a ilusão, entre as águas
azuis ainda sorris. Capitão
desse navio ninguém o sabia
e agora o Orizaba vai voltar.
(de Esta Passagem, 1985)
À Ponte de Brooklyn
Em quantas madrugadas, arrefecidas pelo repouso ondulante,
As asas da gaivota hão-de emergi-la e voar em seu redor,
Espalhando anéis brancos de tumulto, erigindo bem no alto
Sobre as águas agrilhoadas da baía a liberdade -
Então, numa curva inviolada, deixarão os nossos olhos
Tão espectrais como veleiros que cruzam
Uma página cheia de parcelas a arquivar;
- Até que os elevadores nos libertem do nosso dia...
Sonho com cinemas, truques panorâmicos
Com multidões debruçadas sobre uma cena fulgurante
Jamais revelada, mas passada de novo à pressa,
A outros olhos prometida sobre o mesmo écran;
E TU, por cima do porto, ao ritmo da prata
Como se o sol te imitasse, embora deixasse
Um gesto nunca acabado no teu rasto, -
Implicitamente ficas com a tua liberdade!
De uma abertura no metro, de uma cela ou mansarda
Um louco precipita-se para os teus parapeitos,
Oscilando aí por momentos, a garrida camisa enfunada,
E um gracejo solta-se da multidão surpreendida.
Por Wall Street, escorre o meio-dia desde a viga mestra até à rua,
Um rasgão no acetilene do céu;
Toda a tarde os guindastes envoltos pelas nuvens giram...
Os teus cabos respiram ainda o Atlântico Norte.
E é obscura, como aquele céu dos judeus,
A tua recompensa... tu conferes o louvor
De um anonimato que o tempo não pode evocar:
Testemunhas uma indulgência e um perdão vibrantes.
Harpa e altar pelo furor unidos,
(Como pôde o simples trabalho alinhar as tuas cordas cantantes!),
Medonho limiar da promessa do profeta,
Prece de um pária, e grito de um amante, -
E de novo as luzes do trânsito que deslizam pelo teu idioma
Veloz e total, imaculado suspiro de estrelas
Ornando o teu caminho, condensam a eternidade:
E vimos a noite erguida nos teus braços.
Sob a tua sombra, esperei junto dos pilares;
Apenas na escuridão é a tua sombra nítida.
Os bairros flamejantes da cidade todos inacabados,
A neve submerge já um ano de ferro...
Ó Insone como o rio lá em baixo,
Em abóboda sobre o mar, erva sonhadora das pradarias,
Desce, vem até nós, os mais humildes,
E da tua curvatura empresta a Deus um mito.
(de A Ponte, tradução de Maria de Lourdes Guimarães, Relógio D'Água editores, 1995 - original: The Bridge, 1930)
RUI DINIZ
POEMA PARA HART CRANE
Este outono foi-me dado ver-te, no
parapeito de uma ponte, sobre o reno.
À tua volta o céu avolumava as negras
nuvens, prenunciando uma tempestade.
Passei pelo café la voile e enquanto lia os blues
de kaufman, a conselho de um amigo,
tive a nítida impressão da tua vinda
e, em breve, da tua presença naquele lugar.
O vento batia nos vidros e eu voltei a
mim. A tua existência parecera-me sempre
uma simples dedicatória num vaso de
barro, um verso, um único verso, repara,
que o estilete gravara uma potterie.
O vento aumentava de violência e ninguém
ousará contrariar-me se eu afirmar
que esse ruído era o de
milhares de mãos tamborilando
mármore. Repetia comigo:
o outono, o outono, e isso conduzia de
repente o meu pensamento até à Nova
Inglaterra onde lovecraft vivera e morrera.
A terra parecia sedenta. O teu rosto,
quando o pude ver, parecia macilento
e decidido. Pareciam as tuas mão verdadeiras,
nodosas e ágeis. Desde então pouco
me afastei desse instante de recordação.
Ainda hoje, nas portas sumptuosas que
se abrem para cada outono, eu digo
em voz sumida o teu nome, e
saio de mim.
(de Ossuário, & etc, 1977)
HELDER MOURA PEREIRA
HART CRANE: A ÚLTIMA VIAGEM
Avistando a ponte de Brooklyn
sobre a manhã de inquieta
noite, caminhando nos descuidos
entre os primeiros automóveis
e os sinais. Já na idade
da necessária casa não havia
isso que os outros tinham
e a escola ensinava ser
a família. O imenso país, como
de um sonho chegado, corria
a seus olhos e levava-o
a versos, levava-o à meditação
de uma veloz história ainda
a acontecer. Avistando a ponte
de Brooklyn segue os passos
adivinhados de um avisado
corpo e nenhuma palavra
lhe sairá da boca, fica
ecoando muito tempo, virá
a ser tão natural como uma
laranja ou uma árvore, assim
se fixará no mundo. A solidão
era uma fama que a morte foi
buscar, murmúrios breves
não sobem no ar que o mar
afastou. Tão forte esse apelo,
essa branca espuma a superfície
de mais funda vida. Onde
te acalmas se vence o destino
e a ilusão, entre as águas
azuis ainda sorris. Capitão
desse navio ninguém o sabia
e agora o Orizaba vai voltar.
(de Esta Passagem, 1985)
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