MADALENA DE CASTRO CAMPOS
Lavandaria Lusitana
Davam-lhe vómitos. Todos.
Davam-lhe vómitos. Todos.
Os evidentes e os obscuros, os
traduzidos e os ignorados,
os premiados, os ressentidos, os que
escreviam
contra a lógica e os que esbracejavam
contra a língua,
os homens, as mulheres, os novos, os
velhos,
os consagrados, as promessas, os
carecas, os tatuados,
as desleixadas e as meninas bem.
Levavam-se sempre demasiado a sério,
confundindo as palavras com o umbigo e a
literatura com
um livro de reclamações, no qual
garatujavam
uma meia dúzia de banalidades que tinham
lido algures
e desde então tomavam por expressão,
exigindo para si
um direito que não reconheciam aos
outros
e de que se mostrariam incapazes de
fazer uso,
percorrendo as linhas com a ponta do dedo,
na veneração de analfabetos
que constatam os caracteres, sem
reconhecerem o sentido,
e admitem respeitosamente a existência
de uma gramática
que não compreendem e que nunca saberão
contestar.
Lia-os por obrigação, desistia depressa.
Não via invenção, mas erros de
perspectiva,
não via transgressão, mas incorrecções
ortográficas,
falhas de concordância
em género e número, tempo, modo e tudo
quanto pudesse tornar-se disforme.
E também ela,
fruto do mesmo buraco que os tinha
parido,
não faria diferente.
Abria a mesma boca, usava a mesma
língua,
engolia com a mesma garganta.
Limparia ela própria o seu vomitado.
(daqui)