LÊDO IVO
PALHA DOURADA
Somos o que a perfeição
nos deixa ser.
As abelhas zumbem
na tarde de verão
e o mundo é vão:
mão que escorrega
no corrimão;
raio de sol
no chão.
Somos tudo o que se esvai:
a sombra, o grito,
o amor, a fumaça.
O dia passa
como um gavião.
E a tua mão
pousa afinal,
palha dourada,
na minha mão.
(de Crepúsculo Civil, editora Record, 1990)
26.7.07
23.7.07
ANA HATHERLY
A verdadeira mão que o poeta estende
não tem dedos:
é um gesto que se perde
no próprio acto de dar-se
O poeta desaparece
na verdade da sua ausência
dissolve-se no biombo da escrita
O poema é
a única
a verdadeira mão que o poeta estende
E quando o poema é bom
não te aperta a mão:
aperta-te a garganta
(de O Pavão Negro, Assírio & Alvim, 2003)
Só mãos verdadeiras escrevem poemas verdadeiros.
Não vejo nenhuma diferença de princípio entre
um aperto de mão e um poema.
(Paul Celan)
Não vejo nenhuma diferença de princípio entre
um aperto de mão e um poema.
(Paul Celan)
A verdadeira mão que o poeta estende
não tem dedos:
é um gesto que se perde
no próprio acto de dar-se
O poeta desaparece
na verdade da sua ausência
dissolve-se no biombo da escrita
O poema é
a única
a verdadeira mão que o poeta estende
E quando o poema é bom
não te aperta a mão:
aperta-te a garganta
(de O Pavão Negro, Assírio & Alvim, 2003)
22.7.07
PAUL ÉLUARD
DOMINGO À TARDE
Enlaçavam-se os domínios arqueados de uma aurora cinzenta, num país cinzento, sem paixões, tímido,
Enlaçavam-se os céus implacáveis, os mares interditos, as terras estéreis,
Enlaçavam-se os galopes incansáveis de cavalos magros, as ruas onde já não passavam os carros, os cães e os gatos moribundos,
Aureolavam-se as aparências, os dias infindáveis, dias sem luz, as noites absurdas,
Aureolava-se a esperança de uma neve definitiva, marcando na fronte o ódio,
Adensavam-se os astros, adelgaçavam-se os lábios, alargavam-se as frontes como mesas inúteis,
Curvavam-se os cumes acessíveis, adoçavam-se os mais insípidos tormentos, comprazia-se a natureza numa única função,
Respondiam-se os mudos, escutavam-se os surdos, olhavam-se os cegos
Nestes domínios confundidos onde até as lágrimas só se miravam em espelhos lamacentos, neste país eterno que misturava os países futuros, neste país onde o sol ia sacudir as suas cinzas.
(Tradução de António ramos Rosa, in Antologia, edições Tempo, [s/d] - original de Poésie et Vérité, 1942)
DOMINGO À TARDE
Enlaçavam-se os domínios arqueados de uma aurora cinzenta, num país cinzento, sem paixões, tímido,
Enlaçavam-se os céus implacáveis, os mares interditos, as terras estéreis,
Enlaçavam-se os galopes incansáveis de cavalos magros, as ruas onde já não passavam os carros, os cães e os gatos moribundos,
Aureolavam-se as aparências, os dias infindáveis, dias sem luz, as noites absurdas,
Aureolava-se a esperança de uma neve definitiva, marcando na fronte o ódio,
Adensavam-se os astros, adelgaçavam-se os lábios, alargavam-se as frontes como mesas inúteis,
Curvavam-se os cumes acessíveis, adoçavam-se os mais insípidos tormentos, comprazia-se a natureza numa única função,
Respondiam-se os mudos, escutavam-se os surdos, olhavam-se os cegos
Nestes domínios confundidos onde até as lágrimas só se miravam em espelhos lamacentos, neste país eterno que misturava os países futuros, neste país onde o sol ia sacudir as suas cinzas.
(Tradução de António ramos Rosa, in Antologia, edições Tempo, [s/d] - original de Poésie et Vérité, 1942)
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