JOSÉ ALBERTO OLIVEIRA
EXERCÍCIOS DE CALIGRAFIA
1.
Mate em dois lances: olho fixamente,
ameaço um desenlace escondido e
nunca encontro a solução. Quando me sinto
mais aflito, cuido que não tem.
2.
Manhã de Novembro e o desatino do sol
que nem corista em dia de estreia, eu decido
ir cortar o cabelo - da última vez disseste-me
que me ficava bem. Preciso de tão pouco para me sentir
histérico, guardar as mãos nos bolsos
e alcançar um sorriso de Madonna com bambino:
pobre de quem sobe as escadas
e tropeça na tua amabilidade como um golpe
de vento nas costas, fica rígido, deseja
que a fantasia não o assalte, que a ser verdade
não se magoe e, de qualquer forma, tenha o cabelo cortado.
3.
Que imprudência! - essas fotografias onde todos
se compõem como se fizessem parte do desenho
do mundo e com traço sigiloso te contemplam,
edificando o futuro num silogismo
sem termo médio, crendo que o tempo é uma
sucessão de surpresas, programado como máquina
de lavar louça, entre duas frases
amarfanhadas, a caminho do caixote do lixo,
e o papel reservado nesse mesmo quadro.
4.
Tanta roupa lavada - e nem um par
de calças em que me sinta à vontade.
Agora tenho de beber para conseguir
dormir e Charlie Haden esforça-se nas curvas
do baixo, turtuosas e a perder de vista,
como se uma única recta
passasse por um único ponto do plano.
Saberás como é difícil conservar a própria
estima e como desprezávamos contratempos
- sentados no chão, com o tabuleiro
de permeio, não entendi
as regras. Tenho vivido
de noite, lutado com subterfúgios,
que me seria penoso que ouvisses
enumerar - a música encrespa a ilusão
de outro mundo, de um tempo reversível.
(de Peças Desirmanadas e Outra Mobília, 2000)