16.4.05

JORGE DE SENA

COLÓQUIO SENTIMENTAL EM DUAS PARTES

I
Tronchela adúvia corimata, que tuestes dilasta anquinudante, furiça astria dova, retinuta, e quis? Nonória. A tutimão periva a turidarta influva. Azis? Nocónia. Dimirita, aluina, dúria - oh comisalva apene. Friscórida. Buliva? Nem ninúria. Que dívia alperidasta clido! Flara:
- Dumeste andorta oroladiara?
- Clande.
- I tru laridolosta zanque?
- Diata.
- Dileste me tisalva.
Aliara doriçara, tigorimenos. Erclusa atrisca duridanta, merifluamos róvia. Diloguidermos:
- Verida turimana...
- Ciciarva...
- Ablera, ablera, diata.
- Anstria...
- Narva, adiarda, funje...
- Cerida!
Estuta. Nonôra dimirata.

II
Anaridassa, contrimat atuva, anadiramo trévia palpirada. Dimitidana flurionca fliva. Mês conquiritanta nim puore avri discrote, undiva aspranca fara, alima gêntia assunta etrétia i vanta. Diloguidermos:
- Memorta oroladiara?
Nunda siventa ura pradona.
- Ovi trasida medirenta?
- Niata.
- Clito...
- Niata ciciarva anstria.
Arnuda transparara instívio. Impossidanta. Despridova, despridima, deses cara. Anfúria?
Estruta dimirasta.

(in O Tempo e o Modo 59, Abril de 1968)

15.4.05

C. LUÍS BESSA

30


o caminho tem um cotovelo cheio de vento
as árvores falam contam-nos
o medo vem tão antigo
nada adiantaram as portas maciças dos castelos
as duplas grades de ferro
os arcos ferem
as portas nada mais são que coragem postiça
onde as folhas entrelaçam e gemem
toda a noite todo o dia porque lhes encerram
a perspectiva onde os homens dançam e
bebem, onde os homens se ferem
e entregam ao tédio.

(de Legenda, edições Atlas, 1995)

13.4.05

(entre o Nobel e os Óscares - post com algum atraso)

W. B. YEATS

A ILHA DO LAGO DE INNISFREE

Sim, partirei já, partirei para Innisfree,
E aí uma pequena cabana edificarei, uma cabana de argila e canas:
Plantarei nove renques de feijão e haverá uma colmeia,
E solitário entre o rumor das abelhas viverei.

E alguma paz desfrutarei, porque como lenta gota é a paz,
Desprendendo-se dos véus da manhã até ao lugar onde o grilo canta;
Eis aí a meia-noite de esplendor, o meio-dia de fulgurante púrpura,
E uma plenitude de asas cantantes o entardecer.

Ergo-me e vou, parto com a noite, parto com o dia,
Oiço as águas do lago, o seu murmúrio junto à costa;
Seja pelos caminhos, seja pelas sombrias ruas,
Oiço esse murmúrio no mais fundo do coração.

(de Uma Antologia, selecção e tradução de José Agostinho Baptista, Assírio & Alvim, 1996 - o original pertence a The Rose, 1893)

12.4.05

JAN VAN SCOREL

Joris van Egmond, Bishop of Utrecht
c.1535
Rijksmuseum, Amsterdam


JOÃO MIGUEL FERNANDES JORGE

TERCEIRO CASTELO DE HOLANDA

O retrato de Joris van Egmond
bispo que foi de Utreque
adormeceu na primeira sala que dá para o
claustro da catedral.
Não há manhãs nem tardes
os olhos empalidecem
sob as bandeiras
dHolanda. Eternidade, cânticos longínquos
casas de dor reflectem os magros braços de
Cristo. Joris van Egmond fechou a loja
a sala onde repousa o seu próprio retrato
seguiu pela margem do canal. Ainda vi,
por instantes, um pato
sombreado de penas verdes
a que prendera a corrente do suave olhar.
Acabara de lançar severo anátema sobre a
cabeça coroada de um negro. Infligira-lhe
a torre de um castelo
o peso da existência de deus
sobre os escuros cabelos. Mas não era possível
encontrar uma alma triste, noite de nevoeiro e
outono; castanho que chega sempre
p'lo Novembro de Joris, bispo que foi de
Utreque.
Quantas moedas juntou para comprar um dia
o dolente corpo de um anjo
a Francesco di Valdambrino? Obstinado ladrão
quanto amoedou para que Jan van Scorel
pintasse o seu retrato? Cativo, ei-lo
agora, episcopus traiectensis etc. coroado.

(in As Escadas não têm Degraus, 3, livros Cotovia, Março de 1990)

10.4.05

JOSÉ AFONSO

Que amor não me engana

Que amor não me engana
Com a sua brandura
Se da antiga chama
Mal vive a amargura

Duma mancha negra
Duma pedra fria
Que amor não se entrega
Na noite vazia?

E as vozes embargam
Num silêncio aflito
Quanto mais se apartam
Mais se ouve o seu grito

Muito à flor das águas
Noite marinheira
Vem devagarinho
Para a minha beira

Em novas coutadas
Junta de uma hera
Nascem flores vermelhas
Pela Primavera

Assim tu souberas
Irmã cotovia
Dizer-me se esperas
Pelo nascer do dia

(do álbum Venham mais cinco, 1973)
LUIS PIGNATELLI

Não é fácil o amor melhor seria
Arrancar um braço fazê-lo voar
Dar a volta ao mundo abraçar
Todo o mundo fazer da alegria

O pão nosso de cada dia não copiar
Os gestos do amor matar a melancolia
Que há no amor querer a vontade fria
Ser cego surdo mudo não sujeitar

O amor ao destino de cada um não ter
Destino nenhum ser a própria imagem
Do amor pôr o coração ao largo não sofrer

Os males do amor não vacilar ter a coragem
De enfrentar a razão de ser da própria dor
Porque o amor é triste não é fácil o amor

(musicado e interpretado por Janita Salomé no álbum A Cantar ao Sol de 1983)