29.8.09

RICARDO ÁLVARO

II


Porque estes dedos lambidos na escuridão escrevem o teu nome quando procuro entender a pureza do pão e do barro sobre a mesa, os talheres junto ao sangue, o peso do ar nos pulmões ou o movimento da língua na língua. Estás ao centro, demorada nas minhas noites como o batimento da água interior nas entranhas. Escrevo-te toda, dos filamentos das lâmpadas ao leite morno da manhã. E esta é a obra secreta de quem decifra as profundas raízes do coração, com os joelhos na terra e as mãos na cabeça. E em volta o amor debruçado sobre os pulsos, a entrelaçar o obscuro pavio de uma vida.

(de O Espantador, Apenas livros, 2009 – literatralhas Nobelizáveis)

23.8.09

EDUÍNO DE JESUS

REGRESSO ETERNO


Outra vez o grito
da minha antiguidade:
e eu mesmo repetido
outra vez marinheiro.

Outra vez o grito
da esperança renascida,
e eu mesmo repetido
outra vez afogado.

Outra vez o grito
dos teus olhos esperando o meu regresso:
e eu mesmo repetido
outra vez o mar dando à costa o meu corpo roído dos peixes.

1952


(de O Rei Lua, 1955; in Os Silos do Silêncio – Poesia (1948-2004), Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2005 – Biblioteca de Autores Portugueses)