A. M. PIRES CABRAL
SOU COMO FOLHAS DE ÁRVORE
Sou como folhas de árvore — reparo.
Numerosas, presas ao ramo por pecíolos tenazes,
contudo complacentes com o ar que passa,
e por isso frívolas, mostrando
alternadamente as duas faces.
Assim múltiplo e trémulo sou eu.
Apenas um pouco menos perecível,
julgo. E a figueira a que pertenço
talvez um pouco mais durável
que as de verdade.
Mas isso pode ser impressão minha.
(de As Têmporas da Cinza, edições Cotovia, 2008)
16.6.11
15.6.11
(Groningen, 22 de Maio de 2011)
10
Da parede
Raspando
da parede
na minha bedstee bordada
eu ergo
13.5 miljoen m3 klei
1.6 miljoen m3 mattresses
1.5 miljoen m3 basalt
105 sleepschepen
60 sleepboten
60 elevatorbakken
37 onderlossers
35 zolderbakken
11 baggermolens
8 kranen
7 perszuigers
3 steentransporteurs
2 transporteurs
Vou fazer uma casa
de raízes estranhas.
Unhas de granito
já não tenho
apenas dedos de fadas
em barro, areia e basalto.
Recuperei
o meu novo país ao mar
Suo o sul
em retenções assalariadas
Um estilete na lama
para assinar
a aurora boreal.
Divisas
Para uma hipoteca de vinte e nove anos em sangue.
Os dictadores
foram-se embora.
Refugiados holandeses no paraíso incendiado.
(Slauerhoff não quer ficar na Holanda
Van Baaren está com os Deuses
Baladas atlânticas
são apenas tumbas.
E os bobos galhofando
na cidade.
Os mortos procuram a sua casa no Mar do Sul
ou Sidney
enquanto Al Galidi come batatas fritas.)
Enquanto eu
retiro
da parede:
croquetes
fricadelas
kipcornen
bamihapjes
nasíballen
krokanten
bouten
para os meus versos estaladiços.
A corrupção da gordura.
A drenagem do Sal.
E os meus músculos defrontarão a gordura
E as minhas estrias atravessarão o horizonte
E a minha pele flácida será quase vinho puro.
Todavia
Rita, irmã de sangue meu,
irei reclamar a minha nova Língua.
E as gruas, Rita, e as gruas
rangem
rangem bravas gruantes
Rita
sem escamotear
o nosso lugar.
(de Emparedada / Uit de muur Een gedichencyclus, Uitgeverij Passage, 2009)
marcadores:
Joana Serrado,
Neerlandesa,
Portuguesa
13.6.11
[«O José Sebag também, o que escreveu O Planeta Precário a que ninguém liga bóia, também já lá vai.» - Mário Cesariny, in verso de autografia, edição de Miguel Gonçalves Mendes, Assírio & Alvim, 2004]
JOSÉ SEBAG
O PLANETA PRECÁRIO
a noite cerrou todas as janelas
alastrou um império de improviso para os
cães sem nome sem dono e atirou
longamente o seu queixo de toneladas até
à mancha espalmada do rio
é a sua maneira de nos insultar
a tristonha envergadura da sua queixa
as palavras
que usamos
têm a idade que aparentam
atingidas pela velhice ou pelo descrédito
num alvoroço se oferecem ao abismo
despenhadas rolam
e se confundem com a lava
com a espuma tensa do tempo ainda intacto
para de novo nascerem noutra pátria
mais respirável
ternamente povoar o indómito e triste
hálito
do mais apavorado e generoso bicho
À hora de morrer vai ser necessário
imitar a navegação tumultuosa e resignada
das palavras.
Entre elas e o poeta
um segredo brinca
religioso
trémulo
e imprudente
um segredo amoroso e repugnante
Tu, que de há tanto e tão bem o conheces
melhor te será conservá-lo escondido
até ao momento da surpresa
que a morte branca do medo exige
Cada um de nós, deve ser, não a lei, mas
o galho inopinado e ímpar
o plano imediato da evasão
alucinado e lúcido
Cada um de nós deve ser o momento
de recusar férias à ferida
e de mandar matar todos os parafusos
destronar todas as molas reais
ou irreais
da
respiração artificial
pendurada do tecto
a tua ausência informa: é madrugada
bela notícia confirmada
o céu está menos preto
busto ou explanada
mas só de sombra
a solidão redonda
desta vida parada
não é flor nem bomba
nem página virada
nem a hecatombe
fria e feriai
da charada final
e indesejada!
Falta o indulto especial da tua mão
e tu a dizeres-me, aguda e de assalto:
«A solidão
é nada.»
a cabeça começa por fazer dueto com o teu relógio
crepita sobre a almofada
parece mesmo um gatilho em desuso
uma flecha detida por um hábito lívido
são já os primeiros rumores estremunhados
no tablado das coisas
para onde a luz, como tu, atira os braços
como tu um beijo
enorme e distraída oficina conjugal
é agora a infalível
serpente inofensiva e doméstica do sol
monstro diluviano de capoeira
a farejar
com um aspecto acabrunhado de enfermeiro despedido
a fresta que permita o carnaval
está então na hora?
a cabotagem entre portos diminuídos
tenazmente em circuito cinzento
o tráfego livre dos gestos, enrugado apenas
pelo milagre de um ou outro vizinho mais mumificado
a levar pela mão o cara de brinquedo do filho
a quem acabam por perdoar por não ter ainda convite
e é só entrar
no solfejo nauseante
no cerimonial mercantilista do braço ao peito
(de O Planeta Precário, «editado e destruído pelo autor à saída da tipografia, Açores, 1959. Um exemplar foi enviado para João Gaspar Simões» / in Surrealismo/Abjeccionismo, antologia organizada por Mário Cesariny de Vasconcelos, editorial Minotauro, 1963; edição fac-similada: Salamandra, 1992)
12.6.11
ADÍLIA LOPES
COPIADO DE SOPHIA
Creio
na nudez
da minha vida
E
não me peçam
cartão de identidade
que nenhum outro
senão o mundo
tenho
(de César a César, 2003)
BÉNÉDICTE HOUART
sophia de ti
disseram-me que
recitavas poemas
em voz alta nos eléctricos
que cantavas nas ruas de lisboa
enquanto os teus filhos te procuravam
(viram a mãe, aquela que troca tudo e não confunde nada)
e dançavas frente ao espelho dos teus olhos
sempre sempre ao desafio
ah sophia
sophia eras
sophia és
(passeei pelo teu jardim
tão abandonado estava
deu-me vontade de chorar)
(de aluimentos, edições Cotovia, 2009)
ANA PAULA INÁCIO
Querida Sophia,
Afinal as mónicas continuam
são as de sempre.
Fazem psicanálise e ioga,
cabeleireiro aos sábados e depilação 2 vezes por mês.
Não têm filhos mas adoptam-nos
como dão guarida aos cães
têm-nos de toda a qualidade
e para qualquer situação:
de cego para quando acordam cedo
e o excesso de luz as perturba;
da pradaria se pretendem preciosidades
raridades escondidas;
de água quando temerariamente mergulham
Quelques centimètres plusfond;
Briard quando precisam de inteligentes
e corajosos ou de pelagem abundante e
algo ondulado como os define
o dicionário Houaiss;
e finalmente de guarda ou de
fila não venha a coisa tornar-se pior.
Por vezes, estes últimos, podem tornar-se pegajosos,
inoportunos, indesejáveis
pelo que recebem o nome de miúdo ou
tinhoso, como o do rabo comprido, o
que também as enfeitiça
por fugir à norma, ao vulgo, ao
tremoço.
São de sempre as mónicas
e quando falam ao telemóvel
usam uma voz recortada
como as mitenes da avó
e nunca amanham peixe
ou se amanham é para utilizar
as escamas em quadros florais
dispostos corredor acima.
Ao peixe comem-no cru,
para experimentar outras culturas.
(de 2010-2011, Averno, 2011)
COPIADO DE SOPHIA
Creio
na nudez
da minha vida
E
não me peçam
cartão de identidade
que nenhum outro
senão o mundo
tenho
(de César a César, 2003)
BÉNÉDICTE HOUART
sophia de ti
disseram-me que
recitavas poemas
em voz alta nos eléctricos
que cantavas nas ruas de lisboa
enquanto os teus filhos te procuravam
(viram a mãe, aquela que troca tudo e não confunde nada)
e dançavas frente ao espelho dos teus olhos
sempre sempre ao desafio
ah sophia
sophia eras
sophia és
(passeei pelo teu jardim
tão abandonado estava
deu-me vontade de chorar)
(de aluimentos, edições Cotovia, 2009)
ANA PAULA INÁCIO
Querida Sophia,
Afinal as mónicas continuam
são as de sempre.
Fazem psicanálise e ioga,
cabeleireiro aos sábados e depilação 2 vezes por mês.
Não têm filhos mas adoptam-nos
como dão guarida aos cães
têm-nos de toda a qualidade
e para qualquer situação:
de cego para quando acordam cedo
e o excesso de luz as perturba;
da pradaria se pretendem preciosidades
raridades escondidas;
de água quando temerariamente mergulham
Quelques centimètres plusfond;
Briard quando precisam de inteligentes
e corajosos ou de pelagem abundante e
algo ondulado como os define
o dicionário Houaiss;
e finalmente de guarda ou de
fila não venha a coisa tornar-se pior.
Por vezes, estes últimos, podem tornar-se pegajosos,
inoportunos, indesejáveis
pelo que recebem o nome de miúdo ou
tinhoso, como o do rabo comprido, o
que também as enfeitiça
por fugir à norma, ao vulgo, ao
tremoço.
São de sempre as mónicas
e quando falam ao telemóvel
usam uma voz recortada
como as mitenes da avó
e nunca amanham peixe
ou se amanham é para utilizar
as escamas em quadros florais
dispostos corredor acima.
Ao peixe comem-no cru,
para experimentar outras culturas.
(de 2010-2011, Averno, 2011)
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