[VIAGENS NA MINHA TERRA (II)]
(excerto)
Lisboa - dia seguinte - Telefonei cedo ao Cinatti que sonolento incompreendeu o Sonho de Cilião, as respostas monossílabas prometeram encontro na Ática e jantar cá em casa.
O Cinatti é alma fechada - nas longas caminhadas chupa dos outros - sem querer - para guardar intactos pensamentos puros - parece um filtro. Quem não o conhece nunca perceberá as suas afinidades poéticas - o Cilião no fundo conhece o Cinatti. - É poeta, publicou dois livros de versos, nasceu em Londres e esteve em Timor dois anos a pesquisar sândalos para esquecer poemas europeus - ele tem o contacto das almas e no aproximamento descreve os passos abertos da incerteza doutros - Amou como quem brinca aos 4 cantinhos e ainda ama as certezas do passado - julgam-no boémio quando se extasia ao sol de motivo lombada principal. O Cinatti é Ruy nunca conheceu a Dona Engrácia mas ela por vezes lembra-se dele. Ganha dias quando burgueses de sociedade o acham curioso e na alma sofre como menino a quem bateram injustamente - não faz pecados nem é ateu porque é são para seringar os que brincam com o fogo. Boémio o Cinatti? Só para a Dona Engrácia pois o Conselheiro ri-se quando ele recorda as histórias do papa-tudo. De vez em quando desaparece porque aparece nele o monge a tempo distante da meditação necessária. Ao princípio não nos entendíamos até mesmo olhávamos antipáticos, depois, ele começou a crescer em alma aberta e eu a diminuir-me em alma fechada até que considerei a nossa amizade nos pesos da eternidade - É grande amigo da Sofia mas ele critica-se melhor em pensamento do que a jogar ao pé coxinho - não tem idade nem precisa de ter, não tem horário estabelecido e tem palavras de ida e volta. Recorta-se sempre à vista amiga abrindo a concha do seu dique - é poeta é cheio de sol para a certeza do amor passado.
Não digas nada, amigo
Que a tempestade chora
Com a certeza de nos ouvir a voz.
Deixa viver amigo a tempestade,
Deixa que apenas se ouça a sua voz.
(de Páginas (II), 1950)