7.3.08

JOEL SERRÃO

Cronos, Eros e Tanatos nas Palavras do Poeta

(excerto)

(...)
Isto, este encontro quase sacro («coisa leve, alada e sagrada é o poeta...», ensinou Platão [em Íon]) de uma expressão poética contemporânea com raízes tão longínquas que se diria entroncarem no próprio ser do homem ocidental – isto situa-nos, uma vez mais, ante o problema da indagação do valor maiêutico da poesia na revelação e no conhecimento daquilo que no homem se encerra.
Problema temeroso que, só por si, exigiria um longo e exaustivo esforço, se é que se deseja fugir às banalidades mais ou menos fáceis, mais ou menos ousadas.
É que a poesia, naquilo que a radicaliza e a define como revelação e conhecimento específicos do que no homem se contém, se nos apresenta, afinal, como um modo singular de viver a essência temporal do homem – exprimindo-a dada simbologia. O homem, como ensinou Cassirer [em Antropologia Cultural], é um animal criador de símbolos – vários e concomitantes símbolos, tais o sagrado, o estético, o filosófico, o cientifico, etc. -, e esse criador encontra em tais símbolos-criaturas a sua imagem possível, conquanto polifacetada e irremediavelmente truncada.
Ora, estamos em crer que o cimento invisível que liga entre si as vivências do estético, do filosófico, etc., expressas singularmente por simbologias próprias, é, directa ou indirectamente, algo que ao tempo respeita ou a ele, em última instancia reverte. Outra vez o tempo, essa tentação maior! Tentação do historiador, sabemo-lo já; da filosofia e da religião, como já sabíamos que o era; da poesia... Ah! A que se reduziria ela, afinal, senão a cantilena melhor ou pior lograda, se não fosse também uma maneira específica de aprender o ser do homem nesse
Correr do tempo ou só rumor do frio
onde o amor se perde e a razão de amar
- surdo, subterrâneo impiedoso rio,
para onde vais, sem eu poder ficar?
[Eugénio de Andrade, Os Amantes sem Dinheiro, 1950]

(de Portugueses Somos, Livros Horizonte, 1975)

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