5.3.08

ANTÓNIO LUÍS MOITA

POEMA NA RUA


Ao Albano Martins

O poema sai de casa.
Mal se despede do pai.
Sai livre, mas vulnerável
como qualquer ser mortal.

Sai para a rua concreta
do movimento. Vai nu.
Andando por suas pernas
voláteis à contra-luz.

É negro nos seus cabelos,
nos sovacos e púbis.
As suas costas são brancas.
Só é verde a sua voz.

Nos lábios tem, perceptível,
além do ouro de um dente
que brilha, sob a saliva,
molar e caninamente,

a língua – que é incisiva.
E, invisível aos olhos,
o céu da boca, guarita
da dentadura feroz.

Assim, na rua, viaja
com seus meios expeditos:
sexo contente, sem parra,
comunitário o umbigo.

Assim se cumpre e propaga.
Ou morre, sem nenhum grito,
varado por uma bala
de esquecimento.
                                       - Sozinho.

(de Cidade sem Tempo, edição do Autor, 1985)

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