NUNO BRAGANÇA
(...)
Falámos muito em palavras poucas. Eu puxava pelo fio da fala dela para a conhecer. Eu queria conhecê-la.
«Você sabe», disse ela a dada altura. «Quando cheguei em Paris num apartamento solitário eu pegava uma friagem danada de solidão. Foi aí que resolvi comprar o melro.»
«O melro?»
«É. Um melro branco. O vendedor dizia que era bicho de falar melhor que papagaio. Mentiras à francesa. Mas perdi medo quando trouxe para o apartamento aquele pássaro maravilhoso. Às vezes eu falava para ele noites inteiras. Se acordava a meio da noite, bastava acender a luz e vê-lo empoleirado no espaldar do maple de madeira em que ele dormia.»
«O seu marido gosta do melro?»
Sobressalto. «Marido? Não gostava, não. Até tive que dar o pássaro para meu pai cuidar dele.»
«Gostava de ver um melro branco», disse eu. «É bicho da minha infância por causa do Pinóquio.»
«Você também leu Pinóquio em guri?»
«Em guri e depois de crescido.»
Sorriso grande. «É, que livro aquele.» Pausa. «O melro já não está em casa do meu pai. Quando ele sumiu fiquei agoniada de pensar que ele estivesse buscando o meu apartamento.»
«Se ele aparecesse você expulsava-o?»
«Ah não.»
«Mas há o seu marido.»
«Nessa altura já não havia, não. Quando o melro sumiu já eu estava separada e tratando do divórcio.»
«E agora?»
«O melro ou o marido?»
«O marido.»
(...)(excerto de Square Tolstoi, 1981)
1 comentário:
eu não comento coisa nehuma.
mas venho aqui todas as noites.
é uma visita calada
à sorrelfa
clandestina quase
como quem
com o sumir do sol
se arrisca
nas uvas do vizinho
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