«O senhor estudou aqui?», perguntei.
Parou a olhar para mim, e pareceu-me que nos seus olhos passava um relâmpago de nostalgia. «Estudei em Londres e depois especializei-me em Zurique». Tirou do bolso o seu estojo de palha e pegou num cigarro. «Uma especialidade absurda, para a Índia. Sou cardiologista, mas aqui ninguém é doente do coração, só vocês na Europa morrem de enfarte».
«De que se morre aqui?», perguntei eu.
«De tudo o que não tem a ver com o coração. Sífilis, tuberculose, lepra, tifo, septicemia, cólera, meningite, pelagra, difteria e outras coisas. Mas eu gostava de estudar o coração, gostava de perceber aquele músculo que comanda a nossa vida, assim». Fez um gesto com a mão abrindo e fechando o punho. «Talvez eu julgasse que descobriria qualquer coisa lá dentro».
(excerto de Nocturno Indiano, tradução de Maria Emília Marques Mano, Quetzal editores, 1ª ed. de 1984)