18.9.10

MANUEL DE FREITAS


TRISTES TROPOS


para o Fernando Luís Sampaio

Diabo. Fugiu-me pela janela
que não estava aberta
um oxímoro em forma de tambor.
Como percuti-lo agora,
a braços (catacrese vossa) com
um gelo trincado e 40 graus de sono?

Distracção não foi, nem modo
de sucumbir que se resolva assim,
nas dobras frouxas e cansadas
de um anacoluto reles.
Falemos, oh sim, do corpo,
quando se repara e não faz mal sequer
que já nada espera — de si ou dos outros.

Meras contingências, acasos de acaso
feitos que outrora fulguravam
por obrigação ou medo
na pressa metonímica de um beijo
cor da morte. Habituamo-nos
a perder, vereis, como células desfocadas
que odeiam resignadamente
o relâmpago da manhã.

Era uma metáfora, eu sei,
senti melhor do que vocês
a sua baba quente e desajustada
sobre os ombros onde um cancro sonha,
trazendo aliterações tristes
àquele que findando fica.

Podia ser eu, não podia?, a
genuflectir quiasmos em tempo
de musas e de vírus complacentes
que se nos não matarem
a morte o fará, descansem.

Leram decerto Montaigne, João Paulo
Segundo, Laura Ashley, e não
se repetem souvent estes dias
de entranhas calcinadas
e de enxofre disfarçando cinzas.

Por isso me calo, imaginando
uma palinódia em zinco pós-moderno
mais propícia, enfim, aos vossos zeugmas morais.


(de Game Over, &etc, 2002)