25.6.04

SÉRGIO GODINHO

ESPECTÁCULO (excerto)


Quando
tu me vires no futebol
estarei no campo
cabeça ao sol
a avançar pé ante pé
para uma bola que está
à espera dum pontapé
à espera dum penalty
que eu vou transformar para ti
eu vou
atirar para ganhar
vou rematar
e o golo que eu fizer
ficará sempre na rede
a libertar-nos da sede
não me olhes só da bancada lateral
desce-me essa escada e vem deitar-te na grama
vem falar comigo como gente que se ama
e até não se poder mais
vamos jogar

(do álbum Campolide, 1979 e, em dueto com Manuela Azevedo - e os Clã - em Coincidências, 2001)

23.6.04

[para uma não-justificação da minha ausência temporária]

LEOPOLDO PANERO

Para inventar Deus, nossa palavra
busca, dentro do peito,
sua própria semelhança e não a encontra,
como as ondas do tranquilo mar,
uma após outra, iguais,
querem a exactidão do infinito
medir, enquanto cantam...
E Seu nome sem letras,
escrito a cada instante pela espuma,
some-se a cada instante
embalado pela música da água;
e nas praias fica só um eco.

Que número infinito
nos conta o coração?
Cada latejo,
outra vez é mais doce, e outra, e outra;
outra vez cegamente e de seu íntimo
vai pronunciar Seu nome.
E outra vez se ensombra o pensamento,
e a voz não o encontra.
Dentro do peito está.
Teus filhos somos,
ainda que não saibamos nunca
dizer-te a palavra exacta e Tua,
que repete na alma o doce e firme
girar das estrelas.

(tradução de José Bento, in Antologia da Poesia Espanhola Contemporânea, Assírio & Alvim, 1985 - documenta poetica)